Primeira parte do livro: Algumas verdades sobre o Rambam
De Moshe a Moshe, nunca houve ninguém como Moshe
Considerações de outros, pelo Rambam:
Rabino Iehudá Al’harizi, tradução do Guia, chamava o Rambam de “anjo de Deus”.
Maharan de Rotenberg, descreve o Mishneh Torah como o “Urim Ve’Tumim”
(note que ambos, atribuíram ao Rambam conceitos por ele reprovados, “anjos e divinações”, mostrando que mesmo os da geração não o compreendiam)
Iossef Ibn Caspi (1297-1340) : Nosso Mestre Moshe, nosso pai na Torá e na sabedoria, é maior que Moshe. E “desde que a época da Torá de Deus, nada foi escrito que se compare a isso [ao Guia]”.
Menachem HaMe’iri, “antes dele nunca houve igual...depois dele, jamais haverá”.
-
O Pai do Rambam era Dayan (juiz). Este termo provavelmente indica alguma função dentro da Comunidade Judaica.
Ele não usava o título atribuído – Rabino – poucos Judeus Sefaraditas, da Espanha e Norte d África usavam – O título mais popular era Naguid – “líder, príncipe”.
O Rambam concluiu o Mishneh Torah, o código da lei judaica, aos 13 anos de Idade, em 1479, conforme a Era Seleucida (Na época o calendário “judaico” não existia, nem se fazia contagem pela “criação” como se vê hoje) ou seja, 1168. Então, a data de nascimento foi ajustada, de 1135 para 1138 por isso.
Não há informações sobre a educação do Rambam. Não há informação sobre sua formação médica.
Se apenas o que ele diz for considerado, ele era Autodidata. Seu Judaísmo também – provavelmente – veio do seu próprio pai.
Enquanto Ashkenazim sofriam perseguição nos piores períodos do Cristianismo, os Judeus Espanhóis tinham contato com não-Judeus e com educação. Muitos chegaram até a posições de importância social. A Presença Judaica Espanhola, existia desde os tempos Romanos. Os Judeus teriam começado a ser estabelecer na Espanha em 711 – começo do século XVIII – época da expansão islâmica. Mesmo contribuindo com ambas as civilizações, os Judeus foram hostilizados por Cristãos e Muçulmanos.
No Marrocos, para onde o Rambam fugiu, todas as pessoas tinham que admitir o Islã forçadamente. Mas, não havia no Marrocos uma “Inquisição Islâmica” vigiando a casa de cada um. De lá o Rambam vai para Israel, em 1165. De Israel o Rambam vai para o Cairo, no Egito. O Pai do Rambam morreu naquele período. O irmão dele morre num naufrágio.
O Rambam ficou de luto pelo irmão, por um ano (possível depressão). Ele se recupera em 1166. Inicia a prática da “medicina”. O Rambam chegou a ser acusado de “praticar Judaísmo” no Egito, mas conhecer as pessoas certas, salvaram sua vida.
O Guia é concluído em 1190 (o Rambam tinha 52 anos).
O Ser Racionalista – Ter estudado o pensamento de Aristóteles.
Um Aristotélico é alguém que investiga o mundo, por meio da ENDOXA (a endoxa é uma “crença mais estável que a doxa”, por ter sido “testada” nos debates da polis – ou seja, é uma conclusão que passou por um escrutínio lógico e crítico. O conceito é aprendido em obras sobre “Tópica e Retórica”.
Grandes realizações de Aristóteles: Tratamento sistemático do Raciocínio Correto, a Lógica.
Pai da Teoria da Dedução – Silogismo
Na lógica de Aristóteles, os ingredientes básicos do raciocínio são dados em termos de relações de inclusão e exclusão , do tipo capturado graficamente muitos anos depois pelo dispositivo dos diagramas de Venn (John Veen, 1834-1923).
Ele começa com a noção de um tipo de argumento claramente correto, cuja aceitação evidente e inatacável induz Aristóteles a se referir é como uma "dedução perfeita".
Geralmente, uma dedução ( Silogismo ), de acordo com Aristóteles, é um argumento válido ou aceitável. Mais exatamente, uma dedução é "um argumento no qual, quando certas coisas são estabelecidas, outra coisa segue a necessidade em virtude de serem assim" ( APr. 24B18-20).
Em geral, ele afirma que uma dedução é o tipo de argumento cuja estrutura garante sua validade, independentemente da verdade ou falsidade de suas premissas. Isso vale intuitivamente para a seguinte estrutura:
Todos os A são Bs.
Todos os Bs são Cs.
Portanto, todos os As são Cs.
Aristóteles aborda o estudo da lógica não como um fim em si, mas tendo em vista seu papel na investigação e explicação humanas. A lógica é uma ferramenta, ele pensa, uma contribuição importante, mas incompleta, para a ciência e a dialética. Sua contribuição é incompleta porque a ciência ( epistêmê ) emprega argumentos que são mais do que meras deduções. Uma dedução é minimamente um silogismo válido, e certamente a ciência deve empregar argumentos que ultrapassem esse limite. Ainda assim, a ciência precisa de mais: uma ciência prossegue organizando os dados em seu domínio em uma série de argumentos que, além de deduções, apresentam premissas necessárias e, como diz Aristóteles, “mais conhecidas pela natureza” ou “mais inteligíveis por natureza ”( gnôrimôteron phusei ) Com isso, ele quer dizer que eles devem revelar a natureza genuína e independente da mente das coisas.
Dialética
A dialética ajuda a classificar a endoxa, relegando alguns a um status de disputa e elevando outros; submete a endoxa ao interrogatório para testar seu poder de permanência; e, principalmente, segundo Aristóteles, a dialética nos coloca no caminho dos primeiros princípios
O método de Aristóteles de se buscar o conhecimento da natureza, é com o que o Rambam concorda. Ele relaciona isso, ao conceito do <Tzelem Elohim> do Sefer Bereshit. Como Platão afirma: “Uma vida não examinada (filosoficamente) não é uma vida digna de se viver” (Apologia, 38), isso seria expresso na tradição judaica, como וּדְלֹא יָלֵיף, קְטָלָא חַיָּב “quem não estuda [Torá[ merece a morte” (Pirkei Avot 1: 13, ensino atribuído a Shamai).
(יג) הוּא הָיָה אוֹמֵר, נָגֵד שְׁמָא, אָבֵד שְׁמֵהּ. וּדְלֹא מוֹסִיף, יָסֵף. וּדְלֹא יָלֵיף, קְטָלָא חַיָּב. וּדְאִשְׁתַּמֵּשׁ בְּתָגָא, חָלֵף:
(13) Ele [também] costumava dizer: quem faz grande o seu nome, faz com que o seu nome seja destruído; quem não acrescenta [ao seu conhecimento] faz com que [cesse]; quem não estuda [a Torá] merece a morte; quem fizer uso [indigno] da coroa [do saber] passará.
(א) אֵין דּוֹרְשִׁין בַּעֲרָיוֹת בִּשְׁלֹשָׁה. וְלֹא בְמַעֲשֵׂה בְרֵאשִׁית בִּשְׁנַיִם. וְלֹא בַמֶּרְכָּבָה בְּיָחִיד, אֶלָּא אִם כֵּן הָיָה חָכָם וּמֵבִין מִדַּעְתּוֹ. כָּל הַמִּסְתַּכֵּל בְּאַרְבָּעָה דְּבָרִים, רָאוּי לוֹ כְּאִלּוּ לֹא בָּא לָעוֹלָם, מַה לְּמַעְלָה, מַה לְּמַטָּה, מַה לְּפָנִים, וּמַה לְּאָחוֹר. וְכָל שֶׁלֹּא חָס עַל כְּבוֹד קוֹנוֹ, רָאוּי לוֹ שֶׁלֹּא בָּא לָעוֹלָם:
(1) Eles, não podem expor sobre o assunto de relações proibidas, na presença de três. Nem a obra da criação na presença de dois. Nem a obra da carruagem, na presença de um, a menos que ele seja um sábio e compreenda por si mesmo. Quem especula sobre quatro coisas, teria sido melhor se ele não viesse ao mundo: o que está acima, o que está abaixo, o que veio antes e o que veio depois. E quem não pensa na <kavod> de seu criador, seria melhor se ele não tivesse vindo ao mundo.
Ao comentar a Mishná, o Rambam diz: Isto quer dizer que, quem não tiver consideração por seu Intelecto [não é digno do mundo], pois, o Intelecto é a <Kavod> do Criador.
Menachem Kellner, From Strenght to Strenght: Lectures from Shearith Israel, 101-111
(23) Então tirarei minha mão e você verá minhas costas; mas o meu rosto não deve ser visto.
(א) שם 'חכמה' נופל בלשון העברי על ארבעה דברים. הוא נופל על השגת האמיתות אשר תכלית כונתם - השגתו ית' - אמר "והחכמה מאין תמצא וגו'" ואמר "אם תבקשנה ככסף וגו'" - וזה הרבה. ונופל על ידיעת המלאכות איזו מלאכה שתהיה "וכל חכם לב בכם" "וכל אשה חכמת לב". ונופל על קנות מעלות המדות "וזקניו יחכם" "בישישים חכמה" - כי הדבר שיקנה האדם בזקנה לבד הוא ההכנה לקבל מעלות המדות. ונופל על הערמה והתחבולה "הבה נתחכמה לו"; ולפי זה הענין אמר "ויקח משם אשה חכמה"; - רצונו לומר בעלת ערמה ותחבולה; ומזה הענין - "חכמים המה להרע"; ואפשר שיהיה ענין 'חכמה' בלשון העברי מורה על הערמהב ושימוש המחשבה. ופעמים תהיה הערמה ההיא וההתחכמות - לקנות מעלות שכליות או לקנות מעלות מדות או ללמוד מלאכת מעשה או תהיה ברעות ובמדות מגונות. הנה התבאר ש'חכם' יאמר לבעל המעלות השכליות ולבעל מעלות המידות ולכל בעל מלאכת מעשה ולבעל תחבולות במעשים מגונים וברעות:
(ב) ולפי זה הבאור יהיה החכם בכל התורה על אמיתתה נקרא 'חכם' משני פנים מצד מה שכללה התורה מהמעלות השכליות ומצד מה שכללה ממעלות המדות. אלא מפני היות השכליות אשר בתורה מקובלות בלתי מבוארות בדרכי העיון נמצא בספרי הנביאים ודברי ה'חכמים' שמשימים ידיעת התורה מין אחד והחכמה הגמורה מין אחר - החכמה ההיא הגמורה היא אשר התבאר בה במופת מה שלמדנוהו מן התורה על דרך הקבלה מן השכליות ההם. וכל מה שתמצא בספרים מהגדלת החכמה וחשיבותה ומיעוט קוניה "לא רבים יחכמו" "והחכמה מאין תמצא וגו'?" וכיוצא באלו הפסוקים הרבה - כולם יורו על החכמה ההיא אשר תלמדנו המופת על דעות ה'תורה'. אמנם בדברי ה'חכמים ז"ל' הוא גם כן הרבה מאד - רצוני לומר שגם הם משימים ידיעת ה'תורה' מין אחד וישימו החכמה מין אחר - אמרו 'ז"ל' על 'משה רבנו' "אב בחכמה אב בתורה אב בנביאים"; ובא בשלמה "ויחכם מכל האדם" - אמרו "ולא ממשה" - כי הוא רוצה באמרו 'מכל האדם' - מכל אנשי דורו; - ומפני זה תמצא שהוא זוכר 'הימן וכלכול ודרדע בני מחול' החכמים המפורסמים אז: וזכרו ה'חכמים ז"ל' גם כן שהאדם נתבע בידיעת ה'תורה' תחילה ואחר כך הוא נתבע בחכמה ואחר כך הוא נתבע במה שראוי עליו מתלמודה של תורה - רצוני לומר להוציא ממנו מה שראוי לעשות. וכן ראוי שיהיה הסדר שיודעו הדעות ההם תחילה על דרך קבלה ואחר כך יתבארו במופת ואחר כך ידוקדקו המעשים המטיבים דרכי האדם. וזה לשונם 'ז"ל' בהיות האדם נתבע על אלו הענינים השלשה על הסדר הזה - אמרו "כשאדם נכנס לדין תחילה אומרים לו קבעת עתים לתורה? פלפלת בחכמה? הבינות דבר מתוך דבר?" - הנה התבאר לך שידיעת ה'תורה' אצלם מין אחד והחכמה מין אחר והוא - לאמת דעות ה'תורה' בעיון האמיתי:
(ג) ואחר מה שהצענוהו לך שמע מה שאומר כבר בארו הפילוסופים הקדומים והאחרונים שהשמליות הנמצאות לאדם ארבעה מינים: הראשון - והוא הפחות שבהם והוא אשר עליו יכלו ימיהם אנשי העולם - הוא שלמות הקנין - רצוני לומר מה שימצא לאדם מממון ובגדים וכלים ועבדים וקרקעות וכיוצא באלו; ושיהיה האדם מלך גדול - הוא מזה המין - ושלמות שאין דבקות בינו ובין האיש ההוא כלל אבל הוא יחס אחד רוב הנאתו - דמיון גמור - רצוני לומר שזה ביתי וזה עבדי וזה הממון שלי ואלו הם גדודי וצבאי - וכשיבחון גופו ימצא הכל חוצה לו וכל אחד מאלו הקנינים הוא מה שהוא נמצא בפני עצמו; ומפני זה כשיעדר היחס ההוא ישכים האיש ההוא אשר היה מלך גדול - אין הפרש בינו ובין הפחות שבבני אדם מבלתי שישתנה דבר מהדברים ההם אשר היו מיוחסים אליו. ובארו הפילוסופים כי מי שישים השתדלותו וטרחו לזה המין מן השלמות - לא טרח רק לדמיון גמור והוא דבר שאין לו קימא; ואפילו יתקים בידו הקנין ההוא כל ימי חייו - לא יהיה לו בעצמו שום שלמות:
(ד) והמין השני יש לו התלות בטבע האדם יותר מן הראשון והוא - שלמות תבנית הגוף ותכונתו וצורתו - רצוני לומר שיהיה מזג האיש ההוא בתכלית השווי ואבריו נערכים חזקים כראוי. וזה המין גם כן מן השלמות אין לעשותו תכלית כונה - מפני שהוא שלמות גופני ואין הוא לאדם מאשר הוא אדם אבל מאשר הוא בעל חיים וישתתף בזה עם הפחות שבבעלי חיים גם כן. ואילו הגיע כח אחד מבני האדם עד התכלית האחרון - לא ישיג לכח פרד אחד חזק כל שכן כח אריה או כח פיל. ותכלית זה השלמות (כמו שזכרנו) - שישא משא כבד או ישבור עצם עב וכיוצא בזה ממה שאין תועלת גופנית גדולה בו אך תועלת נפשית נעדרת מזה המין:
(ה) והמין השלישי הוא שלמות בטבע האדם יותר מן השני והוא - שלמות מעלות המדות והוא שיהיו מדות האיש ההוא על תכלית מעלתם. ורוב ה'מצוות' אינם רק להגיע אל זה המין מן השלמות. וזה המין מן השלמות גם כן איננו רק הצעה לזולתו ואינו תכלית כונה בעצמו. כי המדות כולם אינם רק בין האדם ובין זולתו וכאילו זה השלמות במידותיו הוכן בו לתועלת בני אדם ושב כלי לזולתו. שאם תעלה בלבך שאחד מבני אדם עומד לבדו ואין לו עסק עם אדם - נמצאו כל מדותיו הטובות עומדות בטלות אין צריך להם ולא ישלימוהו בדבר ואמנם יצטרך אליהם ויקבל תועלתם עם זולתו:
(ו) והמין הרביעי הוא השלמות האנושי האמיתי והוא - הגיע לאדם המעלות השכליות - רצוני לומר ציור המושכלות ללמוד מהם דעות אמתיות באלוקיות. וזאת היא התכלית האחרונה והיא משלמת האדם שלמות אמיתי והיא לו לבדו ובעבורה יזכה לקיום הנצחי ובה האדם אדם. ובחון כל שלמות מן השלש שלמויות הקודמות - תמצאם לזולתך לא לך; ואם אי אפשר לפי המפורסם מבלעדי היותם גם כך הם לך ולזולתך; - אבל זה השלמות האחרון הוא לך לבדך אין לאחר עמך בו שיתוף כלל "יהיו לך לבדך וגו'". ומפני זה ראוי לך שתהיה השתדלותך להגיע אל זה הנשאר לך ולא תטרח ולא תיגע לאחרים - אתה השוכח נפשך עד ששחר לובן פניה במשול הכוחות הגופניות עליה - כמו שנאמר בראש המשלים השיריים הם הנשואים לזה הענין - אמר "בני אמי ניחרו בי שמוני נוטרה את הכרמים כרמי שלי לא נטרתי"; ובזה הענין בעצמו אמר "פן תתן לאחרים הודך ושנותך לאכזרי":
(ז) הנה בארו לנו הנביאים גם הם אלו הענינים בעצמם ופרשו אותם לנו כמו שפרשום הפילוסופים. ואמרו לנו בפרוש שאין שלמות הקנין ולא שלמות בריאות הגוף ולא שלמות המדות - שלמות שראוי להתפאר ולהתהלל בו ולא לבקש אותו; ושהשלמות שראוי להתהלל ולבקשו הוא - ידיעת האלוה ית' שהיא החכמה האמיתית. אמר ירמיה באלו השלמיות הארבע "כה אמר יי אל יתהלל חכם בחכמתו ואל יתהלל הגיבור בגבורתו אל יתהלל עשיר בעשרו; כי אם בזאת יתהלל המתהלל השכל וידוע אותי". הסתכל - איך לקחם כפי סדרם אצל ההמון כי השלמות הגדול אצלם - 'עשיר בעשרו' ואחריו - 'גיבור בגבורתו' ואחריו - 'חכם בחכמתו' - רצוני לומר בעל המדות הטובות כי האיש ההוא גם כן גדול בעיני ההמון אשר להם נאמרו הדברים - ומפני זה סדרם על הסדר הזה:
(ח) וכבר השיגו ה'חכמים ז"ל' מזה ה'פסוק' אלו הענינים בעצמם אשר זכרנום ובארו לנו מה שבארתי לך בזה הפרק והוא שה'חכמה' הנאמרת סתם בכל מקום והיא התכלית היא השגתו ית' ושאלו הקנינים שיקנם האדם שישימם סגולתו ויחשבם שלמות אינם שלמות; ושמעשי התורה כולם - רצוני לומר מיני העבודות -. וכן המדות המועילות לבני אדם כולם בעסקיהם קצתם עם קצתם - כל זה אין לדמותו אל התכלית האחרון ולא ישוה בו אבל הם הצעות בגלל זה התכלית: ושמע דבריהם באלו הענינים בלשונם והוא ב"בראשית רבה". שם נאמר "כתוב אחד אומר 'וכל - חפצים לא ישוו בה' וכתוב אחר אומר 'וכל חפציך לא ישוו בה' 'חפצים' - אלו מצוות ומעשים טובים 'חפציך' - אלו אבנים טובות ומרגליות 'חפצים' ו'חפציך' 'לא ישוו בה' אלא 'כי אם בזאת יתהלל המתהלל - השכל וידוע אותי'". ראה קוצר זה המאמר ושלמות אומרו ואיך לא חיסר דבר מכל מה שאמרנוהו והארכנו בבאורו ובהצעותיו:
(ט) ואחר שזכרנו זה ה'פסוק' ומה שכלל מן הענינים הנפלאים וזכרנו דברי ה'חכמים ז"ל' עליו נשלים כל מה שהוא כולל. וזה שלא הספיק לו בזה ה'פסוק' לבאר שהשגתו ית' לבד היא הנכבדת שבשלמיות - כי אילו היתה זאת כונתו היה אומר 'כי אם בזאת יתהלל המתהלל - השכל וידוע אותי' והיה פוסק דבריו או היה אומר 'השכל וידוע אותי - כי אני אחד' או היה אומר 'כי אין לי תמונה' או 'כי אין כמוני' ומה שדומה לזה; אבל אמר שאין להתהלל רק בהשגתי ובידיעת דרכי ותארי - רצוני לומר פעולותיו - כמו שבארנו באמרו "הודיעני נא את דרכיך וגו'". ובאר לנו בזה ה'פסוק' שהפעולות ההם שראוי שיודעו ויעשה כהם הם - 'חסד ומשפט וצדקה': והוסיף ענין אחר צריך מאד והוא - אמרו 'בארץ' - אשר הוא קוטב התורה; ולא כמחשבת ההורסים שחשבו שהשגחתו ית' כלתה אצל גלגל הירח ושהארץ ומה שבה נעזב "עזב יי את הארץ" - אינו רק כמו שבאר לנו על יד אדון כל החכמים "כי ליי הארץ" - יאמר שהשגחתו גם כן בארץ כפי מה שהיא כמו שהשגיח בשמים כפי מה שהם - והוא אמרו "כי אני יי עושה חסד משפט וצדקה בארץ". ואחר כן השלים הענין ואמר "כי באלה חפצתי - נאום יי" - רצונו לומר שכונתי - שיצא מכם 'חסד וצדקה ומשפט בארץ' - כמו שבארנו ב'שלש עשרה מדות' כי הכונה - להדמות בהם ושנלך על דרכם. אם כן הכונה אשר זכרה בזה ה'פסוק' היא באורו ששלמות האדם אשר בו יתהלל באמת הוא - להגיע אל השגת האלוה כפי היכולת ולדעת השגחתו בברואיו בהמציאו אותם והנהיגו אותם איך היא וללכת אחרי ההשגה ההיא בדרכים שיתכוון בהם תמיד לעשות 'חסד צדקה ומשפט' - להדמות בפעולות האלוה - כמו שבארנו פעמים בזה המאמר:
(י) זהו מה שראיתי לשומו בזה המאמר ממה שאחשוב שהוא מועיל מאד לכיוצא בך. ואני מקוה עליך שאם ההסתכלות הטוב תשיג כל הענינים שכללתי בו בעזרת האלוה ית': והוא יזכנו ו'כל ישראל חברים' למה שיעד לנו. "אז תפקחנה עיני עורים ואזני חרשים תפתחנה". "העם ההולכים בחושך ראו אור גדול יושבי בארץ צלמות - אור נגה עליהם" אמן:
(יא) קרוב מאד האל לכל קורא אם באמת יקרא ולא ישעה נמצא לכל דורש יבקשהו אם יהלך נכחו ולא יתעה: נשלם החלק השלישי בעזרת האלוה ובהישלמו נשלם מורה הנבוכים:
O termo חכמה <hoh’ma> é empregado do idioma hebraico em quatro sentidos:
1 – é dito sobre a percepção das verdades que tem como objetivo final o conhecimento Divino, como em “mas a sabedoria, onde pode ser encontrada?” - Ióv 28: 12 – “procurando-a como se busca a prata”… - Mishlei 2: 4 – e muitas outras passagens;
2 – Denota a possessão de uma habilidade qualquer, como “e todo sábio de coração, entre vós” – Shemot 35: 10 – e “toda mulher sábia de coração” – Shemot 35: 25 –
3 – é aplicado também em relação à aquisição de virtudes morais, como em “transmitir sabedoria a seus anciãos” – Tehilim 105: 22 – “somente os anciãos tem entendimento” – Ióv 12: 12 – pois, o que é adquirido na velhice é a disposição para receber as virtudes morais;
4 – é empregado no sentido de astúcia e sagacidade, como em “usemos de astúcia para com ele” – Shemot 1: 10 - De acordo com este significado, “trazer de lá uma mulher sábia” – Shmuel bet 14: 2 – ou seja, astuta e sagaz. Neste sentido, “são sábios para fazerem o mal” – Irmiahu 4: 22.
É possível, no idioma hebraico, que a palavra <hoh’ma> expresse primeiramente, astúcia e aplicação do pensamento, e esta astúcia e sagacidade, seja usadas para alcançar qualidades intelectuais, virtudes morais e habilidades práticas e artísticas, ou podem ser usadas para maldades e iniquidades.
Está claro, então, que o adjetivo <hahám> é aplicado a quem possui qualidades intelectuais, virtuais morais, habilidades práticas e artísticas ou astúcia para iniquidades e maldades. De acordo com esta explanação, quem verdadeiramente sabe toda a Torá é chamado de <hahám> por dois aspectos, pelas qualidades intelectuais e pelo aspecto das virtudes morais que a Torá contém. Porém, dado que as verdades de ordem intelectual da Torá são recebidas por tradição e não são provadas demonstrativamente de forma racional, foi determinado no Livros dos Profetas, e nas palavras dos Sábios que, a sabedoria da Torá é de um tipo, e a da Ciência, de outro tipo.
A ciência, chamada assim de modo geral, é que prova demonstrativamente os assuntos intelectuais que recebemos na Torá por tradição.
Toda vez que as Escrituras Sagradas elogiam a ciência e suas maravilhas, e a raridade daqueles que a adquirem, como em “não muitos são os sábios” – Ióv 32: 9 – “de onde pois, procede a sabedoria?” - Ióv 28: 20 – e várias passagens semelhantes, todas se referem àquela ciência que nos ensina a prova demonstrativa das ideias filosóficas da Torá.
Isto é frequente também nos ditos dos nossos sábios, ou seja, eles definem a sabedoria da Torá, como de uma espécie e a ciência, como de outra.
Assim, por exemplo, eles disseram em relação a Moshe, nosso mestre, como “pai da sabedoria”, o “pai da Torá”, e o “pai dos profetas”.
Sobre o rei Shlomo, sobre o qual foi dito que “ele era o mais sábio, do que todos os homens” – Melahim alef 5: 11 – os nossos sábios disseram: “mas, não mais que Moshe”, pois o verso quis dizer, “do que todos os homens, da geração dele”. Por isso, tu encontras que ele menciona...<herman, Hal’kol e Darda, filhos de Mahol>”, que eram os sábios conhecidos daquela época.
Os nossos sábios também mencionaram que primeiramente, uma pessoa precisa adquirir a sabedoria da Torá; depois, a ciência filosófica, e depois disso, o conhecimento da tradição do que está relacionado à Torá – ou seja, aprender e conhecer as regras de conduta.
Esta deve ser a ordem dos estudos: no início, devem ser conhecidos pela tradição, em seguida devem ser provados demonstrativamente, e finalmente devem ser detalhadas as práticas de uma boa conduta.
Assim, os sábios dizem que a pessoa tem de prestar contas sobre três coisas nesta ordem: “quando a pessoa se apresenta diante do tribunal celeste, no início dizem a ele “estabeleceste horas fixas para o estudo da Torá? Discutistes sobre ciência? Elucidastes um tema pelo outro?
Está claro a ti, então, que para eles, o conhecimento da Torá é de uma espécie, e a ciência da filosofia de outra espécie, e que consiste em confirmar as ideias da Torá por meio da investigação verdadeira. Depois desta introdução, ouças o que vamos dizer.
Os filósofos antigos e os modernos explicaram que o ser humano pode adquirir quatro espécies de perfeição. A primeira, de valor mais baixo – e pela qual os habitantes da terra gastam toda sua vida – é a perfeição das aquisições, como bens, roupas, instrumentos, escravos, terras e outras coisas afins disponíveis ao ser humano, inclusive a obtenção do título de rei. Este é o tipo de perfeição que não mantém qualquer vínculo entre ela e a pessoa, mas somente uma certa relação cujo maior prazer decorrente dela é imaginário – ou seja, que “esta casa é minha”, “este escravo é meu”, “essa fortuna é minha”, e “este exército me pertence”.
Ao observar a si mesmo, como um indivíduo, encontrará que tudo isso está fora de sua essência e que todas essas aquisições são, em si mesmas, o que são, e portanto quando essa relação cessa, aquela pessoa que era um grande rei se encontra sem qualquer diferencial da pessoa mais vil, sem que se modifique qualquer coisa que estava relacionada a ela. Os filósofos explicaram que a pessoa que coloca para si como objetivo esse tipo de perfeição e se esforça em alcançá-la, dedica-se a uma coisa puramente imaginária, uma vez que isso não é uma coisa constante. Mesmo que essas aquisições perdurem por toda sua vida, ela não alcançará qualquer perfeição em sua essência.
A segunda espécie está mais ligada à essência do indivíduo do que a primeira e é a perfeição da formação e constituição do corpo, ou seja, que seu temperamento seja de sumo equilíbrio, com seus membros bem proporcionados e devidamente fortalecidos. Esta espécie de perfeição também não deve ser colocada como objetivo final, pois é uma perfeição corporal que o ser humano não possui como tal, mas somente como um animal, e ele a tem em comum com o mais vil dos animais. Além disso, mesmo que o ser humano atinja sua força máxima, ele não se comparará à força de uma mula forte, e muito menos à de um leão ou à de um elefante. A finalidade desta força é, como dissemos, que a pessoa carregue uma carga pesada, consiga quebrar um objeto sólido e coisas do gênero, o que não possui grande utilidade para o corpo e nenhuma para a Neshamá, nesta espécie de perfeição.
A terceira espécie está mais ligada à perfeição na essência do indivíduo do que a segunda classe e é a perfeição das qualidades morais, ou seja, que as virtudes morais daquele indivíduo estejam no mais alto grau. A maior parte dos mandamentos não tem outro objetivo senão alcançar este tipo de perfeição.
Contudo, este tipo de perfeição é apenas uma preparação para outra perfeição, e não um objetivo em si, pois todos os assuntos morais se referem unicamente à relação entre a pessoa e o próximo.
Portanto, esta perfeição em suas virtudes morais é como uma disposição para ajudar o próximo, transformando-se assim num instrumento para o próximo.
Por exemplo, se a pessoa estiver isolada sem qualquer conexão com outras pessoas, descobrirá que suas virtudes morais são vãs e inativas, desnecessárias e não levam o indivíduo a qualquer perfeição, pois elas são necessárias e úteis apena quando estão em contato com outras.
A quarta espécie é a perfeição humana verdadeira e consiste na aquisição das virtudes intelectuais, ou seja, conceber as coisas inteligíveis que ensinam ideias verdadeiras sobre os assuntos metafísicos. Este é o objetivo final e é o que conduz o ser humano à sua perfeição verdadeira, pertence somente a ele e é o que concede a ele a existência eterna. É através dela que o ser humano é realmente um ser humano.
Observes cada uma das três perfeições anteriores e verás que elas estão com o outro e não contigo e, conforme o que foi divulgado, elas pertencem a ti e aos outros. Já esta última perfeição beneficia somente a ti e ninguém divide contigo este benefício, como em “tu somente a terás” – Mishlei 5: 17 – Portanto, deves tentar alcançar esta existência para ti, e não te esforces e fatigues para o que pertence aos demais, negligenciando a tua Neshamá de maneira que seu brilho seja manchado ao se imporem as forças corporais sobre ela.
Como é dito no início daquelas alegorias poéticas que se referem a estes assuntos, “os filhos de minha mãe se indignaram contra mim, puderam-me por guarda de vinhedos; o meu vinhedo, que me pertence, não guardei” – Shir HaShirim 1: 6 – e a seguinte passagem também se refere ao mesmo assunto, “para que não tenhais que ceder a outros a <kavod>, e a extensão de vossas vidas a uma pessoa cruel” – Mishlei 5: 9.
Os profetas também expuseram e explicaram este mesmo assunto, como os filósofos fizeram, declarando que nem a perfeição da saúde, nem a perfeição das virtudes morais são perfeições que se deva glorificar ou aspirar, e que a perfeição que se deve glorificar e aspirar é o conhecimento Divino, que é a sabedoria verdadeira. Irmiahu se pronunciou a respeito, dessas quatro perfeições, “assim, diz o HaShem, não se glorifique o sábio, por sua sabedoria, nem o valente por sua valentia, nem o rico por ruas riquezas. Em vez disso, se glorifique em Me entender, e em Me conhecer – Irmiahu 9: 22, 23 – Vejas, como as enumerou de acordo com a ordem de valor aos olhos do povo simples, pois a maior perfeição aos olhos deles, é o rico por sua riqueza; abaixo desta, o forte por sua força, e abaixo desta, o sábio por sua sabedoria, ou seja, suas virtudes morais, pois esta pessoa também é honrada aos olhos do povo simples a quem estas palavras são dirigidas, e por isso as palavras foram ordenadas nesta ordem.
Os sábios entenderam este verso no sentido das ideias que mencionamos e disseram claramente o que te expliquei neste capítulo, que a sabedoria por excelência – que é o objetivo final – é o conhecimento Divino, e que a aquisição de tesouros que o ser humano arduamente deseja possuir e considera uma perfeição não é uma perfeição.
E assim também todas essas práticas da Torá, como as diferentes cerimônias do serviço Divino, assim como as leis morais que são de utilidade às pessoas em suas relações umas com as outras, - tudo isso não se junta a este objetivo final e não têm o mesmo valor deste, pois são coisas preparatórias para se chegar a este objetivo. Escutes as palavras que expressaram essas ideias em uma passagem do Bereshit Rabá, onde é dito que “em um verso é dito, sobre a sabedoria, que nenhum objeto de desejo pode se comparar a ela – Mishlei 8: 11 – e, em outra, que as coisas mais desejáveis não se lhe podem comparar – Mishlei 3: 15 – O “objeto de desejo” é uma alusão aos preceitos divinos e as boas ações, enquanto as “coisas mais desejáveis”, aludem às pedras preciosas, e às pérolas – e tanto os “objetos de desejo” como as “coisas mais desejáveis”, não se comparam à sabedoria, conforme foi dito “antes se glorifique em Me entender e Me conhecer” – Irmiahu 9: 23 – Observe quão concisas são essas palavras e quão perfeito quem as disse.
E ele nada omitiu de tudo que mencionamos e esclarecemos numa extensa explicação preliminar.
Por termos mencionado este verso de Irmiahu e as ideias notáveis que ele contém, e mencionado os ditos dos nossos sábios em relação a ele, completaremos o que ele contém. Neste verso, ao esclarecer o objetivo mais sublime, o profeta não se limita somente ao conhecimento divino, pois se fosse essa sua intenção, diria: “antes, se glorifique em Me conhecer” e depois, teria cessado ou teria dito “Me entender e Me conhecer”, pois Sou Um; ou pois, não tenho figura, ou pois não há outro como Eu, ou coisas semelhantes. Entretanto, ele diz que o ser humano só pode se glorificar no conhecimento divino e no conhecimento de Seus atributos, ou seja, das ações Divinas, conforme explicamos em relação a “faze-me, rogo, conhecer Teus Caminhos” – Shemot 33: 13 – Ele nos esclareceu nesse verso que os atos que tu deves saber e imitar são <Hessed>, <Mishpat> e <Tzedaká> - Irmiahu 9: 23 – Ele adicionou outra ideia essencial ao dizer “na terra”, pois este é o eixo da Torá, e não como os audaciosos que afirmam que a Providência Divina cessa na esfera da lua, e a Terra e tudo o que existe nela é negligenciado pelo divino, como em “o HaShem abandonou a Terra” – Ieheskel 8: 12 – Mas, sim como nos esclareceu o líder dos sábios, que “a Terra é do HaShem” – Shemot 9: 29 – Ele diz que a Providência se encontra na Terra, conforme ela é, assim como Sua Providência é, sobre os céus, conforme eles são.
É o que disse, “que Eu Sou o HaShem, que pratico benevolência, equidade, e justiça na Terra” – Irmiahu 9: 23 – Depois disso, ele concluiu o assunto e disse, “porque nisto Me deleito – diz o HaShem” ou seja, este é o Meu objetivo: Que provenha de vós, <Hessed>, <Mishpat> e <Tzedaká>, na Terra, da maneira que explicamos, sobre os Treze Atributos Divinos, cuja intenção é assemelhar-se a eles, e que assim seja a nossa conduta.
O objetivo mencionado neste verso, então, é esclarecer que a perfeição que a pessoa deve ser glorificar verdadeiramente, é o grau de quem chegou a alcançar o conhecimento Divino, de acordo com as suas possibilidades e que conhece como é a sua Providência, sobre as criaturas que trouxe à existência e que as governa.
Depois deste conhecimento, esta pessoa terá a intenção, voltada à benevolência a equidade, e a justiça ao imitar as ações Divinas, conforme explicamos diversas vezes, neste Tratado.
Isto é o que achei apropriado abordar neste tratado: Coisas que me pareceram ser de grande utilidade para as pessoas como tu: Espero que, depois de uma profunda meditação, compreendas todos os assuntos que tratei com a ajuda Divina.
E Ele realizará a nós, e a todos nossos irmãos israelitas, a promessa que nos fez “e abrir-se-ão os olhos dos cegos, e desobstruir-se-ão os ouvidos dos surdos” – Ieshaiahu 35: 3 – e “o povo que estava envolvido pela escuridão, percebeu uma luminosidade; sobre os que viviam na terra das sombras da morte, acendeu-se uma luz brilhante” – Ieshaiahu 9: 1.
O HaShem está sempre próximo dos que O invocam com sinceridade, sem desvios.
Ele é encontrado por cada um que O procura, se seguir corretamente, sem se extraviar. Amén.
COM A AJUDA DIVINA, ESTÁ COMPLETA A TERCEIRA PARTE – E ASSIM ESTÁ COMPLETO – O GUIA DOS PERPLEXOS
Capítulo 1 do livro - Quando os Judeus começaram a contar os anos "desde a criação"?
Dica: Não foi desde a criação, nem desde o Sinai.
Capítulo 2 do livro: A verdadeira História de Hanuka
Dica: Não havia rejeição generalizada da cultura Grega. Muito pelo contrário.
Muitas pessoas estão convencidas erroneamente, de que o feriado judaico intitulado Hanuká, celebra a vitória da religião judaica, sobre o Helenismo e que, os inimigo era a Grécia. Nenhuma das duas coisas foi verdade.
Jonathan Kirsch (historiador, advogado e escritor, colunista do Los Angeles Times, autor da obra A History of the End of the World dentre outros pesquisadores denotam que, os Judeus que viviam na chamada Judéia (região de Iehudá), no Egito e outros países da diáspora, tinham um permanente e favorável relacionamento com os Gregos enquanto povo, e com o Helenismo enquanto visão de mundo. Tudo isso, bem antes dos incidentes que promoveram a rebelião de Iehudá Macabi, seu pai e seu irmão em 168 antes da era comum.
O que é Helenismo?
Henenismo é um termo que designa tradicionalmente o período histórico e cultural durante o qual a civilização Grega se difundiu no mundo mediterrâneo, euroasiático e no Oriente, fundindo-se com a cultura local.
Características principais:
Da união da cultura Grega, com as culturas da Ásia Menor (uma região em que os continentes da Ásia e da Europa ficam próximos um do outro, separados apenas por uma faixa estreita de mar. É também conhecida por seu nome grego, Anatólia. No passado, era ponto de encontro de viajantes que passavam entre a Ásia e a Europa. Hoje, é parte da Turquia.)
Eurásia, (não há um consenso entre os pesquisadores sobre a divisão dos continentes terrestres, pois há divisões geológicas, que consideram a estrutura dos continentes. Mas, há também divisões políticas, que foram historicamente criadas pela humanidade. Quando se observa o Mapa Múndi, logo pode-se perceber que os continentes terrestres estão separados na superfície pelos oceanos. Um exemplo disso é a separação entre a América e a África, continentes estes que são separados pelo Oceano Atlântico. No entanto, ao olhar para os continentes europeu e asiático, é possível ver que não há um oceano os separando. Portanto, eles são geologicamente ligados. Esse bloco único de massa continental é chamado de Eurásia.)
Ásia Central ( região da Ásia que não tem fronteiras exatas, mas é geralmente considerado como incluindo as ex-repúblicas soviéticas - Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Turcomenistão, Uzbequistão - bem como o Afeganistão. A Ásia Central é uma região árida, historicamente cobiçada pela sua posição entre a Europa e o Extremo Oriente como a lendária Rota da Seda. Ela é o lar de pessoas geralmente pobres, principalmente muçulmanas, e historicamente nômades.)
Síria
África do Norte
Fenícia - Uma Civilização (em fenício: , <Knaˁn>; em hebraico: כנען; <Kna'an>; em grego clássico: Φοινίκη;<Phoiníkē> em latim: Phœnicia; em árabe: فينيقيا) da Antiguidade cujo epicentro se localizava no norte da antiga Kena-an ao longo das regiões litorâneas dos atuais Líbano, Síria e norte de Israel. A civilização fenícia foi uma cultura comercial marítima empreendedora que se espalhou por todo o mar Mediterrâneo durante o período que foi de 1 500 a.C. a 300 a.C. Os fenícios realizavam comércio através da galé, um veículo movido a velas e remos, e são creditados como os inventores dos birremes:
Mesopotâmia (região situada na região do atual Iraque e a leste da Síria entre os rios Tigre e Eufrates. Seu nome é de origem grega e significa "entre rios". As comunidades mais antigas datam de 7000 antes da era comum, e aí floresceram diversas civilizações. No século VI antes da era comum, foi incorporada ao Império Persa).
India e Irã, nasceu a civilização helenística, que obteve grande destaque em nível artístico, filosófico, religioso, econômico e científico.
O Helenismo se difundiu do Atlântico até o rio Indo (o rio mais longo e mais importante, do Paquistão).
Do ponto de vista cronológico, o helenismo se desenvolveu do início do reindo de Alexandre - o Grande - da Macedônia (336 antes da era comum) até 30 da era comum (quando o reino do Egito é anexado por Roma).
O helenismo apresentou grandes avanços nas ciências, principalmente na Matemática, na Física, na Geografia e na Astronomia.
Entre os principais cientistas da época, podemos citar: Eratóstenes (geógrafo e matemático grego), Euclides de Alexandria (matemático grego, considerado o "pai da Geometria"), Cláudio Ptolomeu (geógrafo, cartógrafo, matemático e astrônomo grego) e Arquimedes de Siracusa (físico, inventor e matemático grego).
A Bíblia Hebraica, foi traduzida para o Grego, cerca de 250 antes da era comum - Septuaginta.
A tradução do Onkelos para o Aramaico, ocorre na primeira metade do século III da era comum.
Talmud e Midrashim falam de Alexandre o Grande, de modo positivo - foi bem recebido em Jerusalém, pelo próprio Kohen Gadol, ao marchar para conquistar o Egito - em 332 antes da era comum. A fama de Alexandre fez com que "Alexandre" se tornasse um "nome judaico" usado até hoje.
Mesmo pós a vitória dos Macabeus, as relações com a cultura Grega continuaram normalmente. Vários rabinos adotaram, após tal período, nomes Gregos, incluindo um rei, Iohanan Hircanus, e rabinos como Rabi Tarfon, Antignus de Soho.
Quando Alexandre o Grande faleceu, 332 antes da era comum, o império foi dividido entre sues Generais.
O comandante da Cavalaria, chamado Seleucus, tomou a área da Síria ao Norte de Israel, e outros territórios ao norte. Em 175 antes da era comum, a então chamada Dinastia Seleucida, foi governada por Antíoco IV - que era uma pessoa perversa, odiosa e ególatra - cujo reinado era arbitrário e impulsivo. Este foi o que se auto-proclamou Antíoco Epifanes (Antício, a manifestação de Deus). E entre Judeus, ele foi chamado de Antíoco Epimanes (Antíoco o louco).
Foi Antíoco que criminalizou rituais judaicos: Circuncisão, Shabat, Rosh Hodesh, Kashrut.
Foi Antíoco que colocou ídolos no Templo em Jerusalém. Todos estes atos eram contrários ao Helenismo existente até então. E foram tais atos que promulgaram a rebelião.
Os Hashmonaim não eram contrário a cultura Grega, a cultura Helenística; mas, ao atos absurdos e Antíoco IV.
Antigo filósofo Judaico-Grego: Filo de Alexandria. Pensamento Platônico (características místicas).
Maimônides, por outro lado, baseava-se em Aristóteles.
Aristóteles foi um importante filósofo para a Grécia Antiga e para o Ocidente em geral, visto que a importância dada por ele ao conhecimento empírico e as suas classificações sistemáticas do conhecimento, muito influenciaram a Filosofia Escolástica e Moderna e as ciências modernas que surgiram a partir do século XVI.
O filósofo grego também se dedicou a estudos de lógica, que renderam bons resultados para a argumentação, para a linguagem e para a escrita filosófica até a contemporaneidade, quando filósofos da linguagem desenvolveram novos modos de se entender e estudar a lógica.
Quem foi Aristóteles?
Nascido na cidade de Estagira, pertencente ao Império Macedônico
(fundado por Filipe II, rei da Macedônia, foi um dos grandes impérios que existiram na Idade Antiga.
O Império Macedônico teve uma vida bem curta e sua fase de existência se situa entre os anos de 359 e 323 antes da era comum. Sendo assim, o império teve o seu início no reinado de Filipe II e o seu fim com a morte do imperador Alexandre, o Grande.)
no ano de 384 antes da era comum; Aristóteles foi considerado pela posteridade o mais importante filósofo da Grécia, ao lado de Platão.
Muito pouco se sabe sobre a sua juventude, com exceção do fato de ter ido viver em Atenas, o que possibilitou que conhecesse o pensador que se tornaria seu mestre: Platão.
Aristóteles estudou na academia de Platão durante muitos anos até se tornar professor da instituição. Nesse período, aprofundou-se nos estudos platônicos sobre o ser e sobre a essência das coisas, sobre a dialética, sobre a política e sobre as ideias socráticas (o ser humano deve preservar sua integridade acima de tudo. Para Sócrates, a verdadeira catástrofe consiste na corrupção da alma. Por isso, ele dizia que é melhor sofrer uma injustiça do que cometê-la... - ninguém comete conscientemente um erro: se sabe que vai fazer algo errado, você simplesmente não o faz. Nesse sentido, o mal é consequência da ignorância e a busca do conhecimento coincide com a busca da virtude. ).
Também estudou ética e aprofundou seus estudos em ciências da natureza, campo do conhecimento pelo qual o pensador tinha certa predileção – sua formação inicial aprofundou-se bastante nessa área quando era mais jovem.
Durante a sua vida intelectual, Aristóteles afastou-se gradativamente das ideias do seu mestre, Platão. Enquanto Platão considerava válido apenas o conhecimento intelectual da verdade obtido por meio das essências puras, ou seja, um conhecimento puramente intelectual, Aristóteles passou a considerar a validade intelectual de outro tipo de conhecimento: o empírico.
Quando Platão morreu, Aristóteles esperava receber o cargo de gestor da Academia, o que não aconteceu. Chateado com a situação, em 347 antes da era comum, o pensador mudou-se para Artaneus, cidade na Ásia Menor, onde ele recebeu o cargo de conselheiro político.
No ano de 343 antes da era comum, Aristóteles voltou para a Macedônia e tornou-se professor e mentor intelectual do filho do Imperador Filipe II: Alexandre, que mais tarde se tornaria Alexandre, o Grande.
No ano de 335 antes da era comum, o pensador fundou Liceu, uma escola filosófica para ensinar os seus discípulos. Havia muitas semelhanças entre o Liceu de Aristóteles e a Academia de Platão.
DIFERENÇAS ENTRE ARISTÓTELES E PLATÃO
Platão defendia o Inatismo, a ideia de que nascemos com princípios racionais e com ideias inatas. A origem das ideias segundo Platão é dado por dois mundos que são o mundo inteligível, que é o mundo que nós, antes de nascer, passamos para ter as ideias assimiladas em nossas mentes.
Quando nós nascemos no mundo conhecidos por todos, o mundo em que vivemos, denominado por Platão como mundo sensível nós já temos as ideias formuladas em nossas mentes mas muito guardadas que para serem utilizadas é necessário “relembrar” as ideias já conhecidas através do mundo inteligível.
Para Platão existem quatro formas ou graus de conhecimento que são a crença, opinião, raciocínio e indução.
Para ele as duas primeiras podem ser descartadas da filosofia pois não são concretas, sendo as duas últimas são as formas de fazer filosofia. Para Platão tudo se justifica através da matemática e através dessa que nós chegamos a verdadeira realidade.
Para Platão o conhecimento sensível ( crença e opinião ) é apenas uma da realidade, como se fosse uma visão dos homens da caverna do texto “Alegoria da Caverna” e o conhecimento intelectual (raciocínio e indução) alcança a essência das coisas, as ideias.
Já Aristóteles era um filosofo que defendia o Empirismo, a concepção de que as ideias são adquiridas através de experiência, na realidade o Empirismo não era concreto na época de Aristóteles, muitos filósofos defendem que Aristóteles foi um dos criadores das principais ideias do Empirismo, e para outros filósofos ele é apenas um realista, um filósofo que dá muita importância para o mundo exterior e para os sentidos, como a única fonte do conhecimento e aprimoramento do intelecto.
Ao contrário de Platão, Aristóteles defendia que a origem das ideias é através da observação de objetos para após a formulação da ideia dos mesmos. Para Aristóteles o único mundo é o sensível e que também é o inteligível.
Aristóteles diz que existem seis formas ou grau de conhecimento: sensação, percepção, imaginação, memória, raciocínio e intuição.
Para ele o conhecimento é formado e enriquecido por informações trazidas de todos os graus citados e não há diferença entre o conhecimento sensível e intelectual, um é continuação do outro, a única separação existente é entre as seis primeiras formas e a última forma pois a intuição é puramente intelectual, mas isso não quer dizer que as outras formas não sejam verdadeiras mas sim formas de conhecimento diferentes que utilizam coisas concretas.
Podemos defender Aristóteles, dizendo os problemas sobre a teoria das ideias apresentada por Platão, como por exemplo a teoria que diz que você vem ao mundo com suas ideias já formuladas e que essas ideias são atemporais, dificulta entender como Platão explicaria as diferentes ideias sobre o que é justiça?
Ideia que segundo ele é inata e todos tem a mesma fonte, faria com que todos concluíssem a mesma coisa sobre o que seria a justiça.
Já a tese formulada por Aristóteles permite essa diferença, pois as ideias não são assimiladas por todas as pessoas na mesma fonte, pois a fonte é a experiência e nem todos tem as mesmas experiências.
A teoria Platônica não permite a introdução de novas ideias no mundo inteligível, já através da observação - princípio Aristotélico - a introdução de novas ideias é perfeitamente possível. Com isso podemos concluir, ser a teoria Aristotélica mais defensável.
Apesar do método científico e da ênfase na aquisição do conhecimento, outros quatro ensinamentos de Aristóteles são especialmente significativos. O Rambam tornou estes quatro, parte de seu sistema filosófico:
QUANTO A ALMA: - As pessoas não são constituídas de "fantasmas", ou "espíritos" presos em corpos de carne, ou "corpos e almas", como Platão inspirou e como foi popularizado na cultura pop.
A "alma" não é a parte santa de um indivíduo, a que ele deve manter separada ou protegida da degradação e decomposição constante do corpo; como mantido por religiosos em geral. Se for para utilizarmos o termo "alma" (no caso, valendo-se do equivalente em Hebraico, נפש <Néfesh>) o termo, deve implicar as funções fisiológicas, incluindo sistema digestivo e respiratório [falando de modo mais genérico]. A "alma" do que diz respeito ao intelecto, não é a "alma" relacionada ao corpo que morre. O intelecto independe da questão da morte.
A constituição humana de acordo com a Bíblia Hebraica então é: גוף <Guf> Corpo - a "alma" vegetal - נפש <Néfesh> a "alma líquida" - רוח <Rúa'h> a "alma aérea" - נשמה <Neshamá> a "alma flamejante".
Verificar o estudo: A constituição humana, de acordo com a Bíblia Hebraica
QUANTO AO AUTOAPERFEIÇOAMENTO: O ser humano é um ser social. A obtenção do conhecimento por meio do contato com outras pessoas.
QUANTO AO DESENVOLVIMENTO DE HÁBITOS: Ser bom, justo etc, é uma decisão individual. O comportamento praticado sedimenta a decisão e desenvolve o hábito.
QUANTO AO COMPORTAMENTO IDEAL: Agir de acordo com o "meio dourado", isto é o Caminho do Meio. Evitando extremos, em todos os comportamentos.
Capítulo 3 do livro: Um pouco sobre Maimon, o pai do Rambam
Lendas sobre o Rambam dizem que ele teria sido descendente do autor da Mishná, Rabino Iehudá HaNassi ou <Rabeinu HaKadosh>, que era um descendente do rei David. O Rambam jamais disse tal coisa.
Toque de Maturidade: O Judaísmo não é diferente de todas as religiões, especialmente nisso: Usa mentiras para criar pompa. É preciso usar o senso crítico, especialmente quando se ouve alegações que procuram "engrandecer" indivíduos.
O pai do Rambam diz no final do seu comentário da Mishná, que seu pai é o <daian> Maimon, filho de Iossef, filho do <daian> Itzhak, filho do <daian> Iossef, filho do <daian> Ovadiah.
O termo דיין <Daian> em geral significa "juiz". Também pode ter sido um "título", algo que Judeus Europeus (ashkenazim) considerariam relacionado a "rabino", e os Judeus Sefaraditas chamarão de .
Se sabe pouco sobre os ancestrais de Maimon, bem como sobre ele mesmo.
O que realmente se sabe sobre Maimon?
Ele foi autor de algum livro?
O que sua carta de consolações nos diz sobre seu pensamento?
Qual o tipo de informação que podemos deduzir sobre Maimon, a partir do que seu neto escreveu?
Como a carta de Maimon a judeus sofrendo perseguição, se distingue do material escrito por seu filho?
É geralmente aceito que Maimon foi aluno de um dos mais importantes líderes daquela geração, rabino Iossef Ibn Migash - 1077-1141.
Ibn Migash, era aluno de Itzhak ben Iáacov, conhecido como ALFASI e também como RIF - 1013-1103. O RIF era aluno de Rabeinu Nissin ben Iáacov e Rabeinu Hananael ben Hushiel.
O RIF foi o líder da escola judaica de Lucena (cidade na província de Córdoba, Espanha) e Ibn Migash se tornou líder após ele.
Até onde se sabe porém, o Judaísmo aprendido pelo Rambam ocorreu em casa. E não se sabe nada sobre, seus estudos seculares, filosóficos ou quaisquer outros.
O poeta, Iehudá HaLevi, autor do Kuzari, comentou sobre as distinções entre o Rambam e seu pai:
O filho [Rambam] não era sem emoções mas, ele era um filósofo acima de tudo. O pai é todo entusiasmo, pleno de fé, desejoso de habitar nas belas histórias da Agadá [contos do Midrash], não temendo a crença nos malahim (anjos), nem desejoso por tornar Deus uma abstração, ou o apóstolo de Deus, meramente num pensador profundo.
Halevi implica então, que o Rambam seria "filósofo acima de tudo", uma pessoa intelectual, alguém interessado em fatos, não em fé (no sentido de: aceitação como verdadeira as ideias que não podem ser demonstradas como tal, nem pela lógica nem pela ciência), que não se ocupava com a justificativa de contos do Midrash e que, era focado pela busca da verdade. (Note que o Rambam não desprezava o Midrash. Como ele comenta em sua obra "Helek" o problema estava com aqueles que literalizavam o Midrash, dizendo coisas impossíveis e, portanto, mentindo sobre a realidade.) Ele nota também, que a noção do Rambam de Divindade era transcendente [que ele fala como se fosse algo negativo, "abstração"], a profecia era um alto nível de inteligência (algo que faz ser disponível a todos, ao contrário de HaLevi que limita a uma "elite" aristocrática, de judeus homens [brancos apenas, como determinado pelo Judaísmo ortodoxo moderno], que viviam em Israel e que receberia "ditados" de Deus).
Em suma, Halevi diz que Maimon via o Judaísmo no senso comum, como a maioria do povo comum e, representantes religiosos da época - e do modo como visto por "estudiosos" judeus hoje em dia, de rabinos aos que fingem que são rabinos. Já o Rambam via o Judaísmo, por meio da iluminação proporcionada pela Filosofia Grega, via Aristóteles. A ênfase de Maimon teria sido a piedade, enquanto a de seu filho foi a busca pelo conhecimento e melhorar a si mesmo e a sociedade.
Maimon teria visto a Torá como uma lista de mandamentos, enquanto seu filho via a Torá como guia das opiniões adequadas e melhoria comportamental da população e para a sociedade.
ESCRITOS DE MAIMON
O pesquisador Moritz Steinschneider, 1816 - 1907 fez uma listagem de cinco obras atribuídas a Maimon:
1 - Comentários de porções da Torá
2 - Comentário da Meguilat Ester
3 - Comentários de porções da Mishná
4 - Um livro sobre leis de orações e festivais
5 - A Carta de Consolação
O único texto que sobreviveu, foi a carta de consolação, provavelmente porque seu conteúdo foi amplamente copiado.
A CARTA DE CONSOLAÇÃO
Maimon teria escrito um livreto, chamado <Igueret HaNehamá> em 1160, procurando prover "esperança" e consolação, para Judeus que estavam sofrendo perseguição dos Almohads, que estavam sendo forçados a se converter ao Islã. A mensagem de Maimon a estes Judeus é que, a aceitação forçada do Islã não se constituía em Idolatria, dado que (diferente do Cristianismo) o Islã é uma religião monoteísta também.
Os argumentos de Maimon não são filosóficos, mas, baseados na tradição, sem preocupação com uma boa retórica, as vezes repetitivos e, pleno de citações bíblicas. Se pode resumir o livreto em 15 pontos:
1 - Judeus devem ter em mente que Deus é perfeito e, controla toda situação.
2 - Deus nunca abandona os Judeus. Ele os ama.
3 - Israel existirá para sempre.
4 - Deus tem ciência do que ocorre e age em favor dos Judeus, como um pai que ama os filhos. Se Deus não amasse Israel como os pais amam os filhos, o povo Judeu já teria sido destruído a muito tempo.
5 - Perseguições e sofrimentos, não são necessariamente negativos. Eles constituem-se de castigos e de um método de instrução de uma divindade amorosa.
6 - Os eventos terríveis da diáspora, foram previstos e percebidos pelos antigos profetas, que asseguraram aos Judeus que, eles males cessariam. Portanto, não é preciso se desesperar.
7 - O mundo é como uma bela mulher, que pode atrair o homem e levá-lo a destruição. Judeus devem se remover de atividades mundanas e suas atrações, porque estas coisas os separam de Deus.
8 - Judeus devem se apegar a "Torá" e "seus ensinamentos" e "aceitar a Torá" como verdade, porque "a Torá" conecta os Judeus a Deus.
9 - Judeus não devem se enganar pelos muçulmanos, que dizem que Deus mudou a Torá ao lhes dar o Korão; Deus não muda seus ensinamentos.
10 - Judeus devem rezar; rezar funciona e cria um relacionamento amoroso com Deus.
11 - Orações podem ser em qualquer idioma, e podem ser recitadas em versões curtas.
12 - Moshe foi uma grande pessoa, e Muhamad não pode ser comparado a ele. Moshe não era nada parecido com uma pessoa comum, ele tinha dez "cúbitos" de altura (4 metros e meio). Ele falava com anjos e se tornou um anjo quando "morreu".
13 - Moshe rezou pelo futuro de Israel antes de partir. Portanto, os Judeus são ajudados, por recitar Tehilim (como o 90), que a tradição diz que foi composto por Moshe. Tehilim devem ser lidos todas as manhãs, antes do serviço matinal.
14 - Malfeitores serão punidos durante a era messiânica, apesar de não sabermos, quando esta era ocorrerá.
15 - A raiz motivadora da atual tragédia judaica e, todos os sofrimentos passados, reside na maledicência dos dez espias, os quais Moshe havia enviado para espionar a terra de Kena'an [Bamidbar 13: 27-14:45] e que, de acordo com a tradição, voltaram no 9 do mês de Av. Como consequência deste ato, Deus trouxe muitas calamidades para Israel, neste mesmo dia, incluindo a destruição dos dois templos, e o exílio que é enfrentado.
PROBLEMAS COM A LÓGICA DE MAIMON
A carta de Maimon procurava consolar os Judeus Marroquinos e Espanhóis, perseguidos pelos Islâmicos. Tinha o objetivo de encorajar os Judeus a permanecerem Judeus, ao menos em segredo. Como a carta não tinha nem objetivo nem material filosófico, não se deve supor que ela contivesse a "visão de Judaísmo" de Maimon.
Cerca de nove anos após aquela carta ter sido composta, o Rambam escreve a
Igueret Hashmad "carta sobre a apostasia", aonde ele também não incorpora sua Filosofia do Judaísmo. Como o pai, ele também falava a Judeus que temiam as perseguições islâmicas. Mas, ao contrário do pai, o Rambam não tentou justificar ou explicar o propósito da perseguição.
Em 1174 o Rambam escreve uma segunda "carta de consolação", aos Judeus do Iêmen. Esta carta é chamada <Igueret Teiman> ou "Carta aos Iemenitas", e procura encorajar os Judeus do Iêmen a permanecerem firmes em sua religião. O que se deve notar nesta carta é que, ela não diz nada sobre "eficácia de orações", e isto se deve ao fato de que o Rambam não defende que a Divindade "responda" orações, como se pensa que o Mágico de Oz atende pedidos. A Divindade, para o Rambam, não era um gênio da Lâmpada mágica.
Semelhante a seu pai porém, ele diz aos leitores que as perseguições eram previstas e que, passariam.
Mas, diferente de seu pai, ele não declarou que as perseguições tinham qualquer relação com o "pecado dos espias". Tomando uma postura mais realista, ele explica que os Judeus eram perseguidos, porque a verdade que representavam, incomodava os adversários, pois, contradiziam suas ideias supersticiosas; dado que o Judaísmo seria uma fonte de ensinos verdadeiros, e isto seria algo desprezado pelos povos e, que lhes causava desconforto mental.
[curiosamente, é por este exato motivo que Judeus místicos, irracionais, desprezam Judeus Racionalistas]
O Rambam também lhes disse que, o sofrimento enfrentado poderia lhes estimular o crescimento.
Assim, dado que as cartas não tinham o objetivo de ensinar Filosofia do Judaísmo e, desde que não temos outros textos de Maimon, não podemos ter certeza sobre o que ele realmente acreditava, nem se ele era racionalista como o filho.
Mesmo assim, se percebe que ele carecia de noção filosófica, pelo seguinte:
1 - Na tradução da carta, por Fred Rosner (tradutor também dos materiais médicos do Rambam, sendo ele mesmo Professor de Medicina da Escola de Medicina Monte Sinai, em Manhattan, EUA):
"Não há qualquer semelhança, por menor que seja, na forma ou tratamento, entre a carta de consolação do pai e a carta sobre apostasia, do filho. Não há comparação possível, entre as mentes do pai e do filho. O filho não era alguém sem emoções mas, era um filósofo acima de tudo". Rosner observa ainda, que: O pai era todo entusiasmo (como Halevi diz) todo fé, sem medo de "acreditar em anjos"; e fazia de Deus mais do que uma abstração, e de Moshe mais do que um pensador profundo. O pai e o filho, eram completamente distintos em seus posicionamentos sobre fé, anjos e concepção de Divindade e profecia - o pai teria sido um homem tradicionalista de fé simples e, o filho um Filósofo Racionalista.
2 - Com certeza se considera consolador crer, numa ideia de Deus que seja fisicamente presente o tempo todo (ou não), que conheça tudo o que ocorre e permita que coisas ocorram para "melhorar" os Judeus; como dito. O Rambam também faz tais alegações, mas [ao estudar o Guia descobrimos que] ele não acreditava nisso, literalmente. No Guia [tomo 3, caps 10 - 12] aprendemos que, sua convicção era a de que a Divindade não manipula ninguém [como um ventríloco manipula seu boneco], para fazer valer "sua vontade" ou para causar dano a pessoas. Ele criou o mundo para funcionar de acordo com as leis da natureza, e é assim que as coisas funcionam. Os resultados ruins (o mal) ocorrem por três razões básicas: a) as pessoas provocam males sobre si mesmas, b) as pessoa fazem o mal aos outros, c) quando sofrem devido a ações da natureza.
3 - O Rambam encorajava Judeus a observarem os rituais da Torá, porém, ele enfatizava que o objetivo de tudo era a busca do Conhecimento.
4 - O Rambam também orientava no sentido de se fazer as orações rituais, mas, não acreditava que a Divindade fosse, como um gênio da lâmpada mágica que, bastava se fazer pedidos para ser atendido. Ele entendia que as orações ajudavam as pessoas, no sentido psicológico mesmo.
5 - Ele concordava com pai no ponto de que, Moshe era superior a Mohamed. Entretanto, ele não pensava que Moshe fosse fisicamente diferente de nenhum ser humano. Também não achava que Moshe "falava com anjos" e nem que havia se tornado um.
6 - O Rambam não concordava que as pessoas deveria se "afastar do mundo". Pelo contrário, as pessoas deveriam buscar o conhecimento entre "todos os sábios das nações". A verdade, é a verdade independente da fonte.
7 - O Rambam não acreditava na literalidade da ideia de "recompensa e punição" da era messiânica, nem que o povo estava sendo punido por erros de antepassados.
COMENTÁRIO DE MAIMON SOBRE A BÍBLIA HEBRAICA
Outra fonte que serve de informativo sobre qual teriam sido as crenças de Maimon, veio por meio de seu neto. O filho do Rambam, Avraham, escreveu um comentário da Bíblia Hebraica, do qual apenas restou o comentário sobre Bereshit e Shemot. Ele incluiu as interpretações de seu avô. Os exemplos da visão dele são:
PORQUE OS IRMÃOS DE IOSSEF SE IRRITARAM SOBRE SEU SONHO?
Eles não se irritaram porque viam os sonhos como profecias, mas porque viam os sonhos como revelações de seus maus pensamentos. Este entendimento se encaixa da visão racional do Rambam, que alega que profecia é um nível elevado de Inteligência [em vez de, uma experiência sobrenatural]. E também mostra que se via o sonhos - no modo parecia com psicólogos atuais - como provocados pelas experiências diárias.
REPETIÇÕES BÍBLICAS
Ao voltarem do Egito, os irmãos de Iossef dizem ao pai que Iossef havia perguntado sobre a família; mas a questão não foi incluída na descrição do evento. Eles estavam mentindo? Maimon, assim como Ibn Ezra - que foi um racionalista anterior - diz que não. Ele explicou que, o estilo bíblico de ser breve ao contar um episódio, exige que seja mais expansivo na sua reiteração.
NÚMEROS BÍBLICOS
É costume nas Escrituras, dar números, agrupamentos em dezenas. Assim, apenas 69 membros da família de Iáacov entram no Egito, diz a narrativa; refletindo o número como "setenta". Do mesmo modo, a Escritura diz "conte cinquenta dias" de Pessa'h até Shavuot, embora o número real seja 49. E também quando diz, que uma penalidade era "quarenta chicotadas", eram na verdade, 39. Esta interpretação é também parte da visão racionalista.
Portanto, concluímos que, considerando o conteúdo da "carta de consolação", nela são expressos o conteúdo das crenças judaicas da população geral, especialmente, no que diz respeito à aceitação cega da fé que estava sendo promovida, dependência da ideia mágica de Deus, da concepção de ser amado e protegido, do interesse de Deus pelo Judaísmo, e a crença em anjos e em orações magicamente atendidas. Estas ideias, parecer refletir o básico da ideologia e, são contrárias as visões do Rambam.
Não se deve deixar iludir com a ideia de que, um determinado comentário racional na Bíblia, implica que seu autor era uma pessoa plenamente racional e lúcida, neste aspecto. Um exemplo se vê no grande sábio, o Saadia Gaon, que traduziu a Bíblia Hebraica para o Árabe e que, insistia - como Ibn Ezra, Rashbam, o Rambam e outros - que a Torá deve ser compreendida de modo racional. Se fato, ele até escreveu que, se a Torá parecer dizer algo irracional ou impossível, não se deve considerar tal noção literal mas, indicação de que é uma alegoria.
Mesmo assim, o Rambam rejeitava a visão de mundo do Saadia, como sua teologia rasa, não filosoficamente aprofundada. Se por um lado, a interpretação racional é a claramente recomendada pelo Rambam, seu entendimento da vida era diferente. O conteúdo da carta de "consolação" do seu pai, Maimon, atendia às crenças das pessoas comuns.
Capítulo 4: Avraham ben HaRambam - Uma abordagem distinta
Iossef Ibn Caspi que era racionalista pleno. Em sua obra, voltada a seu filho, chamado Yoreh De'ah, ele lhe diz que, viajou por cinco meses (consecutivos) para visitar os descendentes do Rambam, referindo-se a quarta e quinta gerações do sábio. Só que ele voltou desapontado. Todos eram justos mas, nenhum era devotado à ciência. Ou seja, nenhum era Racionalista.
[Hebrew Ethical Wills, obra do Dr Israel Abrahams 1858-1925]
Questionamentos:
1 - É incomum que pais tenham filhos que se desviem do seu ensino básico?
2 - Quando o declínio do racionalismo começou na família do Rambam?
3 - O que sabemos sobre Avraham, filho do Rambam?
4 - Qual a visão de Avraham sobre a filosofia?
5 - O que os Sufis acreditam?
Avraham ben HaRambam. Nasceu em 17 de junho de 1186, quando o pai tinha 48 anos de idade. O Rambam viria a falecer em 1204, quando Avraham tinha 17 anos de idade. E Avraham faleceu em 7 de Dezembro de 1237, aos 51 anos.
Não se sabe ao certo, porque o Rambam nomeou seu filho "Avraham" especificamente, mas, dentro do ensino do Rambam, Avraham é o símbolo maior da descoberta do Monoteísmo absoluto - e isso - expressa um desejo do Rambam, para seu filho.
Este conceito é visto, 1) na carta do Rambam a seu discípulo maior, o Rabino Iossef Ibn Aknin, a pessoa para quem o Guia dos Perplexos foi escrito. Ele disse a ele:
Sobre meus bem-estar pessoal, me conforto apenas em duas coisas: Numa habilidade de aprofundar-me em investigações teóricas e, em segundo lugar, em bênçãos imbuídas e resguardadas a meu filho, Avraham. Tal qual o Patriarca, possa ele ser sustentado para uma longa vida.
[Letters of Maimonides, de Stitskin]
O 2° local aonde se pode perceber tal inspiração da parte do Rambam para o nome do filho, é no próprio Guia dos Perplexos [3: 29], bem como no Mishneh Torá, Hi'hot Avodá Zará 1: 3, aonde o Rambam discute sobre a sua visão de que "Avraham foi o primeiro, que havia se oposto àquelas [teorias idólatras] por meio de argumentos [lógicos] e, por persuasão não violenta.
O Rambam usa o termo "argumentos" no sentido de argumentos filosóficos, ou "investigação especulativa", que o Rambam descrevia como uns de seus "confortos" na vida.
O Rambam foi o professor de seu filho. Em sua carta para Ibn Atkin, ele diz sobre isso, "Ele é o mais humilde e despretensioso, excelso em qualidades incomuns e refinadas de caráter, imbuído com uma natureza positiva exemplar e, de mente sutil cintilando com ideias inovadoras".
Embora a análise do Rambam sobre a mente do filho tenha se mostrado assertiva, Abraham era menos pragmático que seu pai, de tal modo que, seu pai não previu que o filho se desviaria de seu legado.
Mais velho, o Rambam ficou muito doente por certa de um ano. Mesmo depois que o perigo ter passado, ele ficava acamado na maior parte do dia. Seu filho lhe auxiliava em suas obrigações de "Naguid", como líder da Comunidade Egípcia. Quando o Rambam faleceu, Avraham o sucedeu como líder. O Filho de Avraham benHaRambam, chamado David, o sucedeu como Naguid, e isso prosseguiu assim até o século XIV.
Por ele ser muito jovem - tinha apenas 17 anos - quando foi colocado como Naguid, muitos membros da Comunidade se opuseram a seu apontamento, chegando a abandonar a Sinagoga em protesto e, manter serviços em casa, criando "pequenas seitas" próprias.
Em 1205, o nome de Avraham foi removido da liderança das orações comunitárias, levando as lideranças a excomungar os grupos de "seitas" que haviam sido formadas naquele tempo e lugar. Embora ele não tenha ficado à favor da excomungação, ele provavelmente viu que, tal postura foi usada na campanha contra seu pai.
ESCRITOS
Avraham foi, de um modo geral, respeitado por comunidades judaicas Egípcias e de outros lugares. Com relação ao Rambam, ele recebeu questionamentos sobre a prática de rituais religiosos de fora do Egito, incluindo Israel, Yemen, Provença, Bagdad e Síria. Infelizmente, só restaram cerca de 120 manuscritos destas responsas, lidando com exegese, halahá, ética e defesa do pai, fortemente atacado pela via do preconceito construído contra a Filosofia.
Sua longa defesa do pai, consta na obra Sefer Mil'hamot HaShem (o livro das guerras do HaShem) - note que existem vários "livros" com estes mesmo título e isso pode confundir um leitor sem tal informação - e, nesta obra, ele defende os caluniadores e deturpadores do Rambam, aqueles que organizaram na Europa que o Guia fosse queimado em praça pública (ao lado e com a colaboração de Católicos).
Ele também escreveu um comentário sobre a Bíblia Hebraica, mas apenas suas observações sobre Bereshit e Shemot sobreviveram.
Seu foco era o sentido pleno do texto, e dava pouca atenção a interpretações homiléticas. Ele menciona o pai em seus comentários, bem como o avô e outros.
Há um texto, chamado "Introdução à Agadá" que lhe é atribuído, colocado como introdução ao Ein Ya'akov; que é um compendium de histórias Midráshicas e homilías do Talmud. Acadêmicos porém, não confirmam tal autoria.
Sua obra maior, é o livro, chamado "כתאב כפיא אלעאבדין" - Kitav Kifaiah al-Habidin - "Um Guia Compreensível para os Servos de Deus" - cujo título Hebraico foi modificado na tradução, para המספיק לעובדי השם - HaMaspik LeOvdei HaShem "O que basta para o servo do HaShem" - embora a obra, não esteja completa.
Diferente do estilo claro, preciso e direto do pai, Avraham escreve de modo repetitivo, com argumentos desnecessários e, as vezes confusos. A ideia é defender a vida asceta.
ABORDAGEM DE AVRAHAM DA VIDA
Avraham recebeu muito mal a queima dos livros do Rambam, pelos Judeus Europeus que, incitaram cristãos a fazer isso, em Montpelier, França. Aqueles Judeus, eram líderes comunitários locais que se diziam "defensores da juventude", contra a Filosofia (aparentemente, o Rambam era mais popular entre jovens pensadores). Avraham associou as "chamas" que queimaram o livro do pai, com as "chamas" da carruagem que levou o profeta Eliahu - isto é - imortalizando então, a obra do pai.
Enquanto o Rambam considerava o exercício da profecia, de forma desmistificada. O profeta seria um ser humano intelectualmente liberado e superior. Avraham benHaRambam considerava que os Sufis, os ascetas islâmicos, como o exemplo do que teriam sido, os profetas.
Por causa disso, ele considerava o corpo humano como "fonte do mal" e advogava em favor do misticismo, da austeridade, de ascetismo e solitude introspectiva. Ele também tinha visões distintas sobre o conceito de <Bitahon>, confiança, visto por ele como "dependência" de Deus.
Esta visão então, se distancia da do Rambam, por ser fatalista, passiva e, sem foco na sociedade.
O Rambam ensinava que o povo não deve "viver uma vida focada nos céus", pois isto seria desprezar a vida ocorrendo agora.
Drazin cita, Marx em sua famosa crítica à religião, neste ponto "A Religião é o ópio do povo" para mostrar, que não é a "religião" em termos gerais, mas, "esta" visão da religião, em particular. Que é a visão cristã.
Por isso, ele também cita o filósofo cristão, Agostinho de Hipona (354-430) que teria acusado o Imperador Romano Constantino, que adotar o Cristianismo como religião oficial, para manter os pobres - pobres - as massas, dominadas, seduzindo-os pela esperança numa liberação futura.
FILOSOFIA SUFI
A escola de pensamento que interessou Avraham foi o Sufismo, nome dado ao movimento místico Muçulmano, cerca de 800 da era comum. Suf em árabe significa "lã" e se diz, que os adeptos se vestiam assim - de modo simples - indicando seu conceito asceta. Além das práticas ascetas, os Sufistas praticam rituais de danças giratórias, para "união com Álah" e cantos místicos.
O foco do Sufismo é na vida interior, uma fuga do mundo externo. A ideia é alcançar a contemplação mística, sentimento de êxtase, sentimento de anulação, união com o divino e com tudo o mais.
Para muitos Sufistas, esta união com o divino seria como uma absorção ou identificação com Álah. Esta visão foi considerada "blasfema" por diversos setores do Islã, e foi promovida por pensadores como Al Ghazali (1085-1111), que tinham um conceito panteísta do divino, explicando em seu caso, que o caminho místico era uma forma de se aproximar do divino, não de se unir a ele:
Esforça-te em saber como obter a presença divina e a contemplação da beleza e majestade divinas
Outro pensador de vertente Sufista, Sir Muhamad (1877-1938) rejeitava a noção de "união" com Deus, por considerar inconsistente com a concepção do Monoteísmo.
Al Ghazali insistia que seria impossível reconciliar a religião com a filosofia, e escreveu um livro sobre isso, traduzido como The Incoherence of the Philosophers - A Incoerência dos Filósofos.
Outro pensador, Averroes (1126-1198), que era contemporâneo do Rambam, tinha opiniões similares as dele, atacou a abordagem mística de Al Ghazali, num livro-resposta, com o título provocativo, traduzido como The Incoherence of the Incoherence - A Incoerência da Incoerência.
VISÃO DO RAMBAM SOBRE O SUFISMO
O Rambam criticou o Saadia Gaon, por justamente se mostrar dependente da escola teológica muçulmana, os Mutakalimun, os quais ele refuta sistematicamente no Guia. Ele acreditava que, o sábio deveria estudar a filosofia pura. Isto mostra que, ele teria reprovado a visão do filho também, dado que Avraham aceitava noções que o Rambam rejeitava completamente.
Na visão do Rambam, o caminho correto a seguir e interpretar a vida, era o Racionalismo. Isto requer uma oposição ao pensamento Místico e também, ao asceticismo. Ele considerava que o Conhecimento em si, é o objetivo da existência, e rejeitava a concepção de se tentar obter realizações, por meio de se provocar "sensações" de êxtase, que são artificiais e que, levam a pessoa apenas a "se imaginar" em união com tudo, "se imaginar" unida com Deus; ou seja, cria a concepção de "culto ao fruto da imaginação", que ele descreve como base da idolatria. Ele fala constantemente sobre a Unicidade absoluta e completa transcendência do Divino - de tal modo, que a visão de "Deus nas partículas" não se sustentaria, e não se poderia "unir" com o Divino, via corpo e sensações.
INOVAÇÕES DE AVRAHAM BENHARAMBAM NA COMUNIDADE
Na posição de Naguid, Avraham modificou algumas práticas em sua comunidade, copiando comportamentos de místicos islâmicos. Ele fez ali, o mesmo que Chassídicos fizeram, copiando comportamentos Católicos na sua reinvenção do Judaísmo na Europa. O Rambam certamente reprovaria:
1 - Ele tentou reviver a prática da Prostração - tal qual feita no Templo - durante orações. Muçulmanos procuram rezar assim, não é à toa que o termo "Mesquita" quer dizer isso mesmo em árabe "prostrar-se".
2 - Ele desejou introduzir a prática de lavar-se, antes das orações
3 - Ele teria feito cessar o costume de se sentar em frente a congregação - de costas para a Arca portanto.
4 - Ele procurou reduzir a prática da excomungação (aparentemente, era moda).
Como no caso do seu pai, Avraham também foi denunciado por aqueles que discordavam de suas inovações, para autoridades fora da Comunidade Judaica, neste caso, para o Sultão da época. O Rambam, que faleceu antes até de Rabinos terem se apresentado perante cristãos para se defender, teve seus livros queimados sem poder se manifestar. Seu filho porém, foi capaz de defendê-lo. Ele elucidou que jamais forçou ninguém a fazer o que ele achava correto.
Não é preciso dizer que, nenhuma das inovações de Avraham benHaRambam se perpetuaram.
O Judaísmo, nos explica Drazin, tem diversos exemplos assim, de filhos que se desviaram da orientação dos pais. Isto é parece mais comum, quando se trata de pessoas famosas. Até Moshe, o profeta, teve um filho que seguiu outro caminho.
Há um Midrash - provavelmente uma lenda apenas, mas enfim - de que, o Levita que serviu como sacerdote idólatra, mencionado em Shoftim 18: 30, teria sido descendente de Moshe. Na narrativa da Bíblia Hebraica, se conta de um homem que contratou um Levita para servir como seu sacerdote, no culto idólatra. Este Levita teria sido "seduzido" pelo homem, que seria da tribo de Dan e que, então, o teria convencido de servir. O nome do Levita teria sido, Ionatan benGuershon, ben Menashe. E ele e seus filhos eram Kohanim, para a tribo de Dan, até os dias do cativeiro - diz o texto.
O nome "Menashe" é grafado com a letra Hebraica Nun, suspensa, indicando que, não pertenceria no lugar daquela leitura. De tal modo que a verdadeira leitura seria então, Moshe.
Não se sabe da veracidade de nada disso. Mas, este Midrash reconhece que, mesmo os filhos do mais importante profeta, pode não seguir no mesmo caminho que o dele.
Drazin cita Moses Mendelssohn, cujos filhos se desviaram de seus ensinos também. Mendelssohn (1729-1786) era um Judeu tradicional, observante de rituais, filósofo e comentarista da Bíblia Hebraica. Ele tentou introduzir seu público ao Iluminismo e ao pensamento crítico avançado. Seus filhos porém, saíram completamente do Judaísmo na época, convertendo-se ao Cristianismo. Seu neto, foi o compositor Felix Meldelssohn (famoso pianista Alemão).
O mesmo teria ocorrido, dizem alguns acadêmicos, com Ibn Ezra (1192 ou 1193-1167). Embora se saiba pouco sobre sua família, há uma história de que, ele teve uma filha que se casou com o poeta Iehudá HaLevi. E eles teriam tido 5 filhos. Só se sabe o nome de um, Itzhak. Os outros, podem ter morrido na infância. Alguns acadêmicos defendem que, ele falava de "seu único filho sobrevivente", não porque os outros morreram, mas porque se converteram ao Islã...
Avraham benHaRambam então, discordava do pai, mas, não era radicalmente oposto a ele. Enquanto seu pai, procurava mostrar a harmonia entre o Judaísmo tradicional e a Filosofia Grega tradicional; opondo-se fortemente ao Misticismo - seu filho, tentou reconciliar o Judaísmo tradicional com o Sufismo Muçulmano. Então, criticaram o Rambam por "abandonar" o Judaísmo, pela Filosofia Grega e depois, criticaram seu filho, por "abandonar" o Judaísmo pela filosofia Sufi.
Capítulo 5: Avraham ben HaRambam, defendendo seu pai - Sefer Mil'hamot HaShem
A oposição ao Rambam começou ainda durante seu tempo de vida e, continuou após sua morte. Todos os adversários do Rambam eram rabinos. Embora tenha existido rabinos que reconheciam a autenticidade (e sanidade) dos ensinos do Rambam, como uma abordagem válida de Judaísmo, para ser estudado por Judeus que possuíssem habilidades intelectuais e compreendessem a filosofia.
Os adversários do Rambam estavam determinados a destruir seus livros, em especial sua obra filosófica.
A primeira tentativa dos adversários, foi emitir proibições de se estudar filosofia em geral, atacando em particular a obra do Rambam. Não houve tentantiva de impedir o estudo de outras obras do Rambam, como seus comentários à Mishná ou seu código jurídico, o Mishne Torá - pois, todas as pessoas eram unânimes em reconhecer, que ele era brilhante no seu entendimento dos códigos jurídicos judaicos. O Mishné Torá só não encobriu em popularidade, o Shulchan Aruch, porque o Shulchan Aruch popularizou rituais criados pelo misticismo. Conforme a Cabalá se popularizava entre o povo, o Shulchan Aruch ganhou destaque e, é por este motivo que, boa parte dos rituais praticados hoje em dia pelo Judaísmo, são de origem mística.
Mesmo reconhecendo a genialidade do Rambam, há quem se incomode também com seu trabalho jurídico. Mas, as tentativas de banir o estudo das obras jurídicas não tiveram o mesmo sucesso (do banimento das obras filosóficas), dado que rabinos mais inclinados ao racionalismo, e até alguns que se opunham a filosofia; respeitavam o conhecimento haláhico do Rambam. Entre estes, Drazin lembra do Nachmânides - o Ramban, que era até astrólogo, algo que o Rambam declara ser "para os tolos".
Em meados de 1235 (não se sabe ao acerto a data), um grupo de rabinos da França - persuadidos ou que persuadiram - oficiais da Igreja local, reuniram-se para queimar o trabalho filosófico do Rambam - o Guia dos Perplexos - como mencionamos.
Cerca de uma geração após sua morte, os oponentes do Rambam assumiram a posição de, até "permitir" o estudo da sua obra filosófica, mas apenas quando os estudantes "alcançassem a maturidade" (i.e., raramente)
Esta parte do livro responde as seguintes perguntas:
Por que tantas pessoas sentiam-se desconfortáveis com o código jurídico do Rambam, o Mishné Torá?
Por que alguns rabinos consideraram a obra filosófica do Rambam incorreta ou perigosa?
O que escreveu, o rabino Avraham filho do Rambam, sobre as visões de seu pai, do Judaísmo, no seu livro, Sefer Mil'hamot HaShem?
Os motivos da oposição ao Código
Muitos rabinos, eram (e ainda são) de mentalidade não filosófica. Isto é, não pensam em buscar as razões, compreensões ou melhores entendimentos de absolutamente nada do que "aprendem" na religião. Tal qual se diz sobre cristãos, procuram "crer" e não saber, assim eram eles também (e muitos são até hoje). Rabinos assim, estiveram (e ainda estão) incomodados com o Mishné Torá do Rambam. Drazin enumera 7 motivos principais para a oposição:
1 - O Rambam lhes pareceu arrogante, assumindo a posição de uma autoridade, ao estabelecer de modo claro e simples, o código jurídico judaico.
2 - Para eles, parecia que o Rambam estava dizendo, que o código jurídico dele, tinha por objetivo, substituir o estudo do Talmud; já que, ao estudar seu código, todas as possíveis conclusões de cunho jurídico que seriam derivadas do estudo do Talmud, não seriam mais necessárias.
3 - Os rabinos sentiam que o Rambam teria que citar, uma a uma, todas as fontes a partir das quais, ele tomou as decisões que tomou, na montagem de seu código jurídico.
4 - Eles argumentaram que, ele deveria também, ter registrado as opiniões contrárias, de rabinos que se opuseram ao que foi decidido com halahá, no Talmud.
5 - Eles temiam que, o uso do Rambam do código jurídico causaria que as pessoas, negligenciassem o estudo do Talmud, que eles estavam considerando (ou, dizendo isso) essencial para os Judeus.
6 - Eles pensaram que os Judeus que eram, antes incapazes de decifrar o Talmud, e portanto, buscavam e dependiam dos rabinos para descobrir a halahá, parariam que procurar pelos rabinos e que, até os negligenciariam; e procurariam a halahá, por si mesmos, no código do Rambam.
7 - Alguns simplesmente discordavam das determinações do Rambam, em halahá, em certos momentos.
-
Além destas motivações, muitos outros atacavam o Rambam por razões ainda mais irracionais, como:
1 - Inveja do Rambam.
2 - Ressentimento contra a objeção do Rambam, em se pagar rabinos por "bençãos, rezas" e especialmente, "rituais místicos". Além disso, o Rambam era da convicção de que, os rabinos deveriam prestar seus serviços à comunidade, gratuitamente. Ou seja, ser rabino não pode se tornar meio de enriquecimento pessoal.
Outros rabinos, basearam sua oposição ao Rambam, em discordarem de sua filosofia, que é brevemente mencionada, em sua introdução ao Mishné Torá e, é claro, em seu Guia dos Perplexos. São também 7 os fatores enumerados por Drazin:
1 - Os Judeus que viviam em países cristãos, naquele perído referido como "a era das trevas", tinham pouco conhecimento de filosofia ou, qualquer noção de uma ciência. Eles sentiam que a filosofia lhes era estranha. E que, portanto, seria estranha ao Judaísmo e, não deveria ser estudada por isso, por misturarem a concepção, com a prática religiosa da religião Grega (como muitos fazem, até hoje).
2 - Muitos rabinos estavam convencidos de que, mesmo se a filosofia do Rambam estiver correta, o povo com pouco pano de fundo judaico, e jovem; não deveria estudar isso.
3 - Eles temiam que a abordagem filosófica da vida, levaria a uma falta de observância ritual da halahá.
4 - Alguns rabinos eram crentes de que o Rambam estava errado, e que Deus tinha sim, uma forma física, um corpo; e até tinha aparecido para alguns deles.
5 - A concepção não mágica do Rambam sobre a ressurreição, afetava muitos rabinos.
6 - Alguns rabinos desejaram entender a Torá e os Midrashim literalmente, mesmo quando as declarações fossem completamente irracionais.
7 - Havia rabinos que também temiam que a interpretação de algumas partes da Bíblia Hebraica, deveriam ser entendidas como figuras de linguagem, metáforas e alegorias. Mas, isso poderia levar Judeus a abandonar "a verdade contida na Torá", e negar a historicidade de eventos bíblicos.
A DEFESA DE AVRAHAM A SEU PAI
O filho do Rambam incomodou-se com tais ataques, mesmo durante sua juventude (quando estava encantado com o pensamento Sufi), e seu pai ainda estava vivo. O Rambam escreveu a seu aluno, o Rabino Iossef Ibn Aknin, que os ataques contra seus textos não o incomodavam muito, mas disse a seu aluno que seu filho sim, estava incomodado com aquilo tudo.
[Mil'hamot HaShem, 17]
Após o falecimento do pai, os ataques aumentaram.
(Em geral, o místico diz que a "morte" de alguém é a "punição de deus" sobre aquela pessoa, usando esta falácia como se fosse "comprovação" de sua alucinação. Nunca usam este mesmo raciocínio para si mesmos, porém...)
O filho do Rambam escreve então, o Sefer Mil'hamot HaShem. Não se trata de uma obra filosófica mas, uma tentativa de provar a justiça das visões de seu pai por citações - na maior parte - da Bíblia Hebraica e de textos rabínicos diversos. Ele provavelmente pensou que, seu pai tinha sido claro o suficiente em seus ensinos. Ele não pediu desculpas por nenhuma das declarações do pai, nem tentou suavizar nada do que ele declarou, por exemplo, dizendo que ele teria dito "isso", mas, na verdade quis dizer "aquilo". Ele não desviou nada da obra do pai, de seu sentido pleno. Ele também não abordou absolutamente todos os ensinos do pai em seu livro, ele procurou citar apenas aqueles que ele sentiu que estavam sendo atacados.
Entretanto, como falamos antes, imaginando que os inimigos do Rambam (que não só existem até hoje, mas hoje são os atuais donos da religião), poderiam ser persuadidos por citações Bíblicas e Rabínicas, ele procurou apoiar seu pai, citando versos que mostravam vários dos pensamentos do Rambam. Drazin enumera 9 posturas do filho do Rambam ao responder aos caluniadores:
1 - Tal como seu pai, Avraham enfatizava o conhecimento acima de tudo, em frases como: "O conhecimento, inteligência e entendimento com os quais - ELE - nos imbuiu e separou dos animais". E também ao dizer que "o dom da inteligência, precede a Torá na ordem da criação", dando a entender que, isso deve ser usado para compreender a Torá. Assim, ele diz que "Deus repreendeu Israel por meio da língua dos profetas [citando Hoshea 4: 6] por desprezarem o conhecimento. Na famosa frase "meu povo é destruído por que lhe falta conhecimento"... Considerando isto, a ideia de se ter um povo inteligente, entendido, seria uma tentativa de aperfeiçoamento do corpo e da mente, para que se alcançasse a sabedoria, possibilitando que mais e mais pessoas, compreendessem os segredos da Torá.
Drazin ainda complementa: A halahá isenta um menor da observância dos Mandamentos, justamente por sua incapacidade intelectual de compreensão. Por esta razão é que, os homens da Grande Assembléia, que decidiram sobre as orações rituais, colocaram que a oração por conhecimento, compreensão e entendimento, estivesse entre as primeiras doze bênçãos (dentre as dezoito); precedendo então, todas as necessidades humanas.
2 - Ele reconhecia que a Torá ensina lições por meio de parábolas e figuras de linguagem. E cita Hoshea 12: 11 para exemplificar, dizendo: "Eu tenho falado, também aos profetas, e eu tenho multiplicado as profecias deles, e por meio de profetas tenho dado parábolas".
3 - Ele comparou a ideia de se considerar os versos da Bíblia Hebraica, literalmente, mesmo quando a realidade indica que não; como "a impureza da idolatria". Tal qual seu pai, ele coloca os místicos insanos na mesma categoria dos idólatras.
4 - Ele trambém declara que, aqueles que "aceitam o sentido simples de declarações do Midrash, e Agadá... deveria ter negada a afirmação de ser da nossa fé, e deve ser considerado como aquele, cuja fé se corrompeu".
5 - Ele não deixa de considerar que, a pessoa que imagina Deus de forma física, "é simplesmente um herege, e não tem porção no mundo vindouro".
6 - Ele critica os "sábios" que davam atenção apenas ao "Pilpul" (isto é, ao excessivo uso de distinções sutis), de Abaye e Rava, em seus debates talmúdicos; em suas elucidações e sofismas.
7 - Ele usava uma linguagem forte, contra os que caluniavam o Rambam. E os que diziam que, os mortos estariam num lugar aonde comem e bebem, careciam de "conhecimento", e "tinha a fé pervertida".
8 - Ele concordavam com o pai, no tocante ao Jardim do Éden não se referir a um local literal. O mesmo para a ideia de Guehinon.
9 - Ele chamou aqueles que pensavam que Deus morava nos céus - literalmente - de "simplesmente ignorantes"... e que, seria impossível ao Divino, ocupar um lugar, seja nos céus ou em qualquer lugar - pois, ELE não é corpóreo.
SUMÁRIO
Muitos rabinos temiam a abordagem filosófica do Rambam, por muitas razões, incluindo preocupações de que a filosofia levasse Judeus a deixarem de observar rituais. Existiram até rabinos que pensaram que a Filosofia nem era parte do Judaísmo, e que seria algo vindo da idolatria. Alguns propuseram que se banisse e proibisse o estudo de qualquer livro do Rambam.
Vários dos rabinos que apoiaram o Rambam, enfrentaram calorosos conflitos por causa disso. A dispura que havia começado durante a vida do Rambam, continou por séculos após seu falecimento. Os apoiadores do Rambam motivaram o filho dele a escrever uma defesa da obra de seu pai.
Avraham escreveu a defesa. Ela não trabalha como se poderia esperar, o pensamento filosófico do Rambam. Para ele, tudo indica que isso seria fútil. O ensino do pai era claro, óbvio e lúcido o bastante. Quem não entendeu, precisava é de citações bíblicas, ou seja, de ensino básico. E ele usou linguagem forte contra os adversários do pai.
Seguindo neste sentido, os passos do pai, ele enfatizou a importância do Conhecimento, o fato de que Midrashim e outras figuras da linguagem estão presentes por toda a literatura judaica clássica e principalmente, não se deve considerar a Torá literal, quando ela declara algo contrário a realidade. E enfatizou a concepção de que, a correta forma de se considerar a divindade, é a Incorpórea.
Note que, a defesa do filho, parte das visões do pai. Nós sabemos que o Rambam era um racionalista. Entretanto vimos que seu filho, era mais inclinado a busca por experiências místicas. Na sua defesa, ele deixa claro que, apesar disso, ele não nutria exatamente as crenças místicas. Ele buscava por uma experiência, ao mesmo tempo em que compreendia o que o pai ensinava. Para o Rambam, o misticismo não tinha, nem jamais poderia ter as respostas para a melhoria de si mesmo e da sociedade, por remover o envolvido da realidade e, portanto, do que é necessário para se ter uma vida plena.
Capítulo 6 - Avraham ben HaRambam - caminhos para a perfeição
Em 1938 o livro do filho do Rambam foi traduzido para o Inglês, pelo rabino Dr Samuel Rosenblatt, sob o título de The High Ways to Perfection. Na sua introdução ao livro, o rabino concluiu que a obra seria "um curso místico para a perfeição".
Seu amigo e colega, rabino Dr Nathan Drazin (pai, do rabino Drazin) escreveu uma resenha do livro, na edição de lançamento. Na resenha, o pai do rabino Drazin nota que o filho do Rambam era focado na questão da ética: a ética perfeita, que seria a alma da pessoa. A posição do rabino Avraham benHaRambam consistia de certos requerimentos éticos, existentes para todas as pessoas e que, haveria um requerimento maior, para aqueles que quisessem se tornar piedosos.
As questões que o Drazin procura responder neste capítulo são:
1 - Qual é a essência das posições éticas de Avraham BenHaRambam?
2 - Como o Dr Rosenblatt fez a crítica da obra, e como o Dr Nathan Drazin defendeu a obra?
3 - Qual era o entendimento do filho do Rambam sobre a ideia de alma, e no quê, ele e o pai concordavam?
4 - Qual é a discordância básica entre o filho do Rambam e o pai, no assunto?
O QUE O FILHO DO RAMBAM ESCREVEU?
O pai do rabino Drazin, apresentou o seguinte resumo da obra:
De acordo com a visão de Avraham Maimonides, a ética judaica é sinônimo da Torá, e ocupa-se com o aperfeiçoamento da alma. A ética judaica seria então, ocupada com todas as atividades humanas, tanto aqueles que relacionam-se com Deus como aqueles que relacionam-se com o próximo. Um mínimo é esperado de todo indivíduo, não importa se é ignorante ou estudioso. Nisto, em termos gerais, estão contidos nos muitos preceitos e proibições da Torá, e nas amplificações realizadas pelos rabinos. Eles seriam os caminhos comuns para a perfeição. Essencialmente então, esta é a Lei Judaica. Existem, entretanto, caminhos elevados para uma perfeição maior, que apenas viajantes experientes poderiam seguir. Os caminhos comuns, são o prerequisito e a introdução aos caminhos elevados. Os caminhos elevados, seriam os que levam a perfeição verdadeira da alma da pessoa, "os caminhos da piedade", e estão foram dos limites e restrições da lei. Eles não são obrigatórios sobre todo Israel, e apenas poucos podem obtê-los. Eles requerem grande auto-disciplina nos mais elevados traços de misericórdia, generosidade, gentileza, humildade, fé, contentamento, abstinência, zêlo, auto-controle, e solitude. Avraham Maimonides discute as implicações destas dez virtudes, ou "altos caminhos para a perfeição", em dez capítulos próprios. Uma certa abordagem crítica da obra, foi expressa pelo editor e tradutor [Dr Rosenblatt], que não é compartilhada, entretanto, pelo que faz esta resenha. O Dr Rosenblatt analisar em sua introdução,que o autor frequentemente "tegiversa" em exemplos exacerbados consecutivos, dizendo a mesma coisa diversas vezes. Esta crítica estaria plenamente justificada, se Avraham Maimonides tivesse tido a intenção de que, sua obra fosse um tratado filosófico para expor, de modo lógico, seu sistema particular de ética. Porém, este não é o objetivo do autor. Ele teve a intenção, com seu trabalho, de servir como mentor, na verdade, e guia inspiracional do indivíduo que estivesse pronto para fazer esta dura jornada, dos altos caminhos da perfeição. O Dr Rosenblatt certamente concordaria que, para fazer homens mudarem suas vidas, um sermão seria insuficiente. Para alcançar seu propósito ético, o autor apresenta, portanto, uma ilustração após a outra, com frequência, na esperança de que, por este método, suas ideias sejam incrustadas na mente de seus leitores e o inspirem à ação.
Assim, Avraham Maimonides enquanto místico, diferia de seu pai enquanto racionalista; no sentido de que o Rambam estava focado no desenvolvimento da inteligência e aquisição do conhecimento. O Rambam declarou que, o propósito da Torá seria o ensinar as ideias verdadeiras, e ajudar as pessoas a melhorarem a si mesmas e a sociedade.
Seu filho, por outro lado, focava-se na alma e se contentava em considerar que o objetivo da Torá era o do aperfeiçoamento da alma, por meio das dez condutas éticas sobre as quais, escreve.
O Rambam reconhecia que, existiam pessoas que, careciam de inteligência para adaptar suas vidas ao pensamento filosófico. Tal qual Platão, e outro filósofos, ele sugeria que tal pessoa, recebesse os "ensino de verdades necessárias" e até de "mentiras nobres", isto é, concepções que, na realidade não são verdades mas, não são consideradas danosas. As ideias que ajudassem a pessoa não estudiosa a viver suas vidas da melhor forma, procurando as impedir que causarem dano a si mesmas e aos outros, sempre que possível. Um exemplo disso, seria o ensino popular sobre a ressurreição dos mortos.
Avraham por outro lado, ensinava como verdade, algumas ideias que, seu pai considerava apenas como "mentiras nobres".
A ALMA
De modo diferente do pai, Avraham definia "alma" em suas "Perfeições" como uma parte separada da pessoa, um ser interior, que seria aquele aspecto da pessoa que sobreviveria, após a morte dela. Enfim, o conceito de "alma" dele, seria um paralelo quase indistinguível da noção popular, nutrida pela maiora das pessoas.
A "alma" de algum modo, inspiraria de modo místico, e desejaria o "mundo espiritual" (ou, das almas). E estaria impedida que atingir seu objetivo, por causa deste profano, quase demoníaco, impositor comportamental: o corpo. A função da alma seria então, lutar contra seu próprio corpo, para obedecer a Deus, servir a Deus e se apresentar perante Deus. Este seria o objetivo da "união mística" com Deus.
Este entendimento de "alma" como um "elemento não físico do ser humano" é uma concepção estranha à Bíblia Hebraica. Quando a Bíblia Hebraica menciona <Néfesh> que é o termo popularmente traduzido com "alma", ela se refere ao princípio de vida no corpo.
Vide nosso estudo sobre a composição bíblica do ser humano:
Assim, quando Vaicrá 2: 1 fala sobre a <Néfesh> trazendo uma oferta, certamente não está dizendo que a Oferta seria trazida por algum ser místico, mágico ali considerado, nem a parte interna da pessoa.
O Rambam usa <Néfesh> tanto no sentido exato dado pela Bíblia Hebraica, como no sentido da "ciência" da época. Esta "alma" ou vida da pessoa, teriam os elementos constituintes da vida: A Nutrição (digestão), a Sensação (os sentidos), a Imaginação (a mente, memória, concepção de ideias), o Estímulo (emoções) e a Conceitualização (o pensamento em si).
Drazin observa na nota de rodapé que, o filho do Rambam, chegou a dizer que aceitava as descrições do pai, na introdução ao Mishná, Pirkei Avot, comumente referido como Shmoneh Perakin. Mas, ele meio que "redefine" de tal modo, a inverter a concepção por completo. Ele diz que seu pai, expressava que, todas as coisas, exceto o quinto elemento, eram de funções corporais. De tal modo que o intelecto era a função "a alma". Provavelmente daí que veio a confusão...
Diferente do filho então, o Rambam via que o papel da inteligência na aquisição do conhecimento sobre o mundo físico era o objetivo essencial, expressando deste modo, seu funcionamento e, que o uso deste conhecimento para o aperfeiçoamento pessoal causava a melhoria da sociedade. Ele teria desprezado as noções místicas do filho, de que seria possível ter uma "união" com Deus - uma ideia que chega próximo na inconcebível noção de que, seria possível "chegar perto" de Deus, sendo Deus físico então.
Adicionalmente, em contrário a visão do filho, o Rambam considerava necessário que o intelecto fosse a única "coisa" que sobrevivesse a morte, não "a alma", ou uma "personalidade" interna.
HUMILDADE
O rabino Avraham benHaRambam se dedicava para o comportamento pietista, em vez que, aquisição do conhecimento e desenvolvimento intelectual; os quais eram os principais objetivos de vida do seu pai. O propósito do conhecimento, escreve o rabino Avraham, "é para se adquirir humildade [e] não orgulho, dado que eles [os estudiosos] veem que, seus alcances em erudição, mesmo sendo consideráveis; são não obstante muito tênues, em relação àquilo que é maior e mais perfeito que o [conhecimento] deles.
O conceito de perfeição, de acordo com Avraham, repousava na dissociação da pessoa de seu corpo e necessidades físicas, enquanto seu pai via que Perfeição era um conceito absolutamente relacionado à compreensão.
Em vez de uma atividade diárias, buscando ser a melhor pessoa que se pode ser, um objetivo positivamente orientado; o principal objetivo da consideração do rabino Avraham era o negativo, no sentido quase da passividade dentro da interpretação da humildade. Ele escreve em sua obra que "humildade consiste da consciência humana da própria insignificância e [sua] consideração defeituosa, em relação a Ele, que é mais perfeito".
Deste modo, Avraham via os seres humanos com um olhar fatalista. A "constituição humana, e seu caráter, não eram [coisas] sobre as quais se pudesse escolher, mas, eram relacionadas à graça divina". Deste modo, em sua visão de mundo, em vez de procurar pela perfeição, como seu pai havia proposto, ele sugeria que o piedoso rezasse por graça, por um dom da Divindade, ganhando humildade e piedade, que não eram "construídas".
Deste modo cabe perguntar: Como as pessoas são piedosas então? Ele responde: "Por acostumarem a alma... a ouvir a si mesma, culpada e desamparada, e pela abstenção do que quer que se assemelhe sequer, e pela restrição até de vestir o que é necessário, ou até menos que isso... e por habitar em locais modestos...e por se associar com outros humildes... estas questões são comuns à abstinência e humildade e virtudes para além que, são caminhos elevados, tal qual conduzem ao objetivo, quer dizer, a união [mística com Deus], de tal modo que seus cursos estão associados".
O piedoso não deveria apenas ser "piedoso" nos seus pensamentos; eles deveriam também mostrar a humildade [descrita por ele] no comportamento. Eles deveriam se vestir mal, mas não algo sujo. Deveriam comer pão, sem a adição de nada que o torne mais palatável. "A Torá" de acordo com o rabino Avraham, "havia proibido, mesmo ao rei de Israel, se devotar a superfluidades".
Avraham explica então, que se for feito "escrutínio das histórias da Bíblia e de Suas leis - bendito seja - [se verá que elas] afastam a pessoa do orgulho, e trazem a pessoa para a aquisição da humildade".
Avraham então, apresenta exemplos bíblicos diversos do que ele acreditava que eram a comprovação de seu raciocínio. Por exemplo, enquanto sentido pleno da Bíblia Hebraica, nem mesmo indica que o filho rebelde do rei David, Avshalom, era um homem de elevadas qualidades espirituais; o rabino Avraham escreveu que, sua tentativa de tomar o reino do pai, aconteceu porque ele [o pai] carecia de uma atitude piedosa, e que "seu amor estava voltado ao poder e ao governo".
Viés de confirmação
De modo parecido, o rei Hiskiahu que, além de ser um homem muito espiritual, mas "foi levado a tropeçar e pecar, pelo orgulho". Novamente, esta é uma interpretação de um texto bíblico, sem indicação de que, ele seria mesmo "orgulhoso".
FÉ
"Fé" é um termo e conceito, esclarecido diversas vezes nas obras de Drazin sobre o Rambam, como se referindo àquela ideia que é aceita como verdade, mesmo sem ter o conhecimento de que é verdade; sem lógica, sem bom senso, ou experimento ou outros meios científicos que demonstrem que seja verdade.
A Bíblia Hebraica, claramente, não ordena a ninguém que tenha fé. Ela constantemente diz ao povo de "olhe" e que "veja", que "ouça" e que "compreenda".
A própria palavra "fé" não aparece na Bíblia Hebraica. O termo que aparece, אמונה <Emuná> é usado como se fosse tradução de "fé", mas significa realmente "ser firme".
O Rambam não encoraja o ser humano pensante e reflexivo, a ter fé; mas, permite que as massas sigam este caminho, dado que ele reconhecia isso, como uma necessidade psicológica. Não obstante a isso, seu filho, cuja mente era orientada de modo místico, pregava a fé no sentido comum, para todos.
"Fé em Deus", ele escreve, "está entre os mais elevados caminhos, sendo um dos princípios fundamentais da lei". As seções do livro que lidam com fé, são as mais longas de toda a obra. Ele define "fé" como, "uma afirmação da crença de que Deus - bendito seja - é o criador e provedor, e que Ele é quem faz ficar doente e quem cura, e que Ele é quem torna rico, e pobre; e que todas as coisas que acontecem no mundo, em geral, bem como aquilo que ocorre em particular, resultam Dele. E que Ele é o autor, portanto, de todos os decretos bem como o Executor destes decretos, exceto em questões relacionadas à obediências e desobediência".
Assim, o rabino Avraham fala, como se ele fosse filho do rabino místico Nachmânides, e não de Maimônides. Era Nachmânides que, estava convencido de que, Deus se envolvia em tudo, chegando até a decidir minúcias do dia, a todo momentos; como quando uma folha vai cair da árvore e onde. O Rambam por outro lado, tal qual Ibn Ezra e, a bem da verdade, absolutamente todos os racionalistas; era (somos) convencidos de que, a Divindade criou o mundo e tal qual estabelecido ele funciona, de acordo com o sistema que [apelidamos de] leis da natureza.
É a natureza criada - não a "pessoa" de Deus - que determina quem será rico ou pobre, quem será são ou doente...
De modo admirável, Avraham - tal qual Nachmânides - declara: "a verdadeira fé consiste [de] sua confiança... em todas as questões, Nele, não em esforços comuns, de tal modo que, se ele se tornar doente, tomar remédio, e em seu coração estiver consciente e convicto da utilidade do remédio o beneficia apenas, por meio da determinação Dele... dado que, nenhum benefício advém, a não ser Dele".
Se o indivíduo sabe [tem fé] que o remédio não o está ajudando, mas que é ajudado apenas pela vontade Divina; por que então, ele toma o remédio?
Nachmânides, talvez reconhecendo o que Avraham falhava em perceber, defendia a noção extrema, dizendo que o fiel não tome o remédio "reconhecendo" que Deus cuida dele, mas, permitindo que "o que não tivesse a fé" tomasse o remédio.
MILAGRES
Desde que ele acreditava na concepção mágica, de intervenção Divina no mundo, Avraham acreditava no sobrenatural. Ele acreditava nisso porém, apenas para os piedosos. Ele escreveu que "ninguém deve colocar sua expectativa neles, não sendo digno disso portanto".
Acadêmicos estão em geral convencidos de que, o Rambam não acreditava no sobrenatural. E mesmo os poucos estudiosos que dizem que ele acreditava em milagres, declaram que, a visão dele seria que milagres são exceções, casos raros e que, ninguém - nem mesmo o piedoso - deveria esperar por isso.
ORAÇÕES
O Rambam enfatizava que a Divindade não necessita de orações e, apenas permitia ofertas como uma concessão aos Judeus, dado que o povo sentia necessidade de tais expressões religiosas. Avraham por outro lado, dizia "aquele que tem fé, deve fortalecer sua fé, por meio da oração".
A ORIGEM DO MAL
O Rambam ensinava que o povo sofre, ou por meio de outros seres humanos que lhes fazem o mal, por mal realizado por si mesmos, ou por meio das leis da natureza; as quais em geral são positivas para o mundo, mas podem não ser boas para um indivíduo. Ele estava absolutamente convencido de que, o mundo funciona de acordo com [o que apelidamos de] leis da natureza; não por uma constante interferência Divina. O Rambam definia que "providência divina" era o uso do Intelecto Ativo, a Inteligência Superior que a Divindade outorgou ao ser humano; e isto - ele ensinava - é o que salva as pessoas de infortúnio.
Avraham dizia, parafraseando o avô, que a adversidade é um teste de Deus para a pessoa. Portanto, "se deve fazer enorme esforço e se dedicar à oração, procurando por sua Misericórdia, e dependendo Dele para segurança, por menor que seja o dano".
Avraham também sentia que, a adversidade poderia ser resultado de falta de fé. A pessoa que carece de fé, mas trabalha duro e usa sua inteligência; não prosperará, de acordo com Avraham.
ABSTINÊNCIA E CONTENTAMENTO
A fé passiva de Avraham, sua dedicação à oração; mostram por si só que, sua atenção e crença de que, a pessoa deve "se contentar", com "o que quer que lhe aconteça".
Esse "contentamento" - ele elucidava - se relaciona com a abstinência, dado que pessoas verdadeiramente contentas, se abstém daquilo que indivíduos não contentos consideram o júbilo da vida, e não sentem necessidade daquilo para eles.
"As [coisas deste] mundo [são] uma grande barreira, separando o servo de seu mestre"...
"Povo abstinente e contento" - ele escreve - "caminhem e não cavalguem, comam pão puro, durmam no chão, reduzam o sexo, evitem o doce, jejuem por dias consecutivos, vistam saco, controlem os impulsos do corpo, diminuam as horas de sono, e passem o tempo lendo a Torá, e rezando".
ZÊLO
De acordo com o pensamento de Avraham, "pessoas realmente piedosas, fazem mais do que o que pessoas comuns fazem. Eles tem noção de seu potencial espiritual para perfeição, então, trabalham diariamente com zêlo, por meio da contemplação e mudança de hábitos, diminuem o controle de seus corpos sobre suas almas. Eles controlam suas paixões naturais, vivem como se não tivessem corpos, e se isolam do mundo".
SOLITUDE
A "solitude", de acordo com Avraham, está "entre o mais distinto, dos caminhos elevados. E além disso, o caminho dos grandes santos, e por meio disso que os profetas alcançavam a União" [com Deus]. O melhor meio de alcançar a solitude seria por deixar a cidade aonde se vivia, e se isolar numa montanha, ou num deserto ou numa caverna. Mas, também se poderia fazer isso, se isolando numa casa de orações.
Avraham sugere que, se deve passar ao menos parte desta solitude, à noite principalmente, em orações, dizendo que serve "para praticar a solitude, em locais escuros e se isolar neles, até que as partes sensíveis da alma tornem-se atrofiadas; de tal modo que, nem lhe seja mais possível enxergar".
SUMÁRIO
Avraham, como se viu, seguia o caminho totalmente oposto ao de seu pai, o Rambam.
O pai, era um racionalista e seguia o pensamento inspirado no aprendizado da filosofia Grega antiga. Aristóteles era a referência filosófica, ainda que a observância fosse a Tradição Judaica Clássica.
O filho também observada os rituais, mas lhes conferia sentido mistificado, elogiando os místicos Islâmicos, e advogando pelo misticismo prático, incorporando seu conceito de 'pietismo" no comportamento diário.
A Divindade, para o Rambam, era o criador das leis da natureza. Ele havia feito o mundo para funcionar como tal, e seres humanos deveriam aprender sobre o mundo real, e usar tal conhecimento para melhorarem a si mesmos e a sociedade, provendo tanto progresso quanto proteção.
Avraham acreditava que, a presença de Deus no mundo, implicava em seu constante envolvimento com tudo o que acontece, em toda e qualquer atividade humana; sendo o responsável por questões sociais (ricos e pobres) e por questões pessoais (saudáveis e doentes).
O pai ensinava que, toda pessoa deve estudar, aprender o máximo que puder, conhecer o mundo da melhor forma que puder; enquanto o filho ensinava, que orações, abstinência, passividade, "humildade" deveria ser o que seres humanos deveriam procurar. Devem se isolar do mundo, e "atrofiar" a alma.
O pai recomendava a vida ativa e o envolvimento com outros. O filho recomendava orações, fé sem questionamentos e a esperança de uma união mística com Deus.
Capítulo 7 - Avraham ben HaRambam - Comentário da Torá
Não há duas interpretações idênticas da Bíblia Hebraica. É assim que o rabino Drazin inicia o sétimo capítulo, enfatizando o fato de que, são muitos os fatores que afetam a interpretação da Bíblia, causando divergências.
Estes fatores, são explicitados basicamente, como:
A) A educação e visão de mundo delas,
B) A visão que construíram de si mesmas,
C) A visão que tem de outras pessoas,
D) A visão que tem da Divindade, e sobre a interação do Divino com o mundo,
E) A opinião construída pela pessoa, sobre o que é importante para si, para a sociedade e para o mundo,
F) O entendimento delas sobre se o sentido - imaginado por elas - das Escrituras, aplicam-se hoje, ou a quem isso se aplicaria.
As visões de mundo do Rambam e de seu filhos tinham pontos em comum. Mas, também tinham posições irreconciliáveis.
Dentro do que eles tinham em comum, estava o fato de que, ambos eram "homens de seu tempo", Judeus que viviam como era esperado de quem estivesse vivo no século XII, rígidas observâncias rituais (seja em países islâmicos, ou cristãos, temos isso em comum) e interpretações de textos sacros com o mínimo de alteração, da visão "recebida". Não havia sistemático questionamento, investigação e portanto, crítica do material tradicional; naquela visão de mundo.
Ambos se viam com papéis seculares, como médicos e líderes comunitários. E religioso, como líderes da Comunidade Judaica do Egito.
Ambos compreendiam diversos temas tradicionais judaicos, e achavam necessário responder a questionamentos que lhes eram enviados, de modo o mais claro e compassível dentro de suas possibilidades; procurando compreender também as dificuldades sob as quais, as Comunidades Judaicas estavam sujeitas; de um modo inteligente, emocionalmente sensível, procurando prover esperança em dias melhores e aliviar a dor de outras pessoas, dentro de suas limitações.
Não obstante a tudo isso, vimos que o Rambam era profundamente racionalista e assim, sentia-se na obrigação de aprofundar o entendimento de temas considerados elevados, sendo capaz de expor tais entendimentos, de modo lógico.
Seu filho por outro lado, sendo inclinado ao misticismo, procurava a vida que hoje chamaríamos de "monástica", isolando-se e buscando aquilo que ele interpretava como "humildade". Embora não exista motivos para duvidar de sua honestidade e dedicação, ele carecia de clareza de pensamento e de expressão.
Não há um momento, dentro da obra do filho, em que ele claramente se contraponha ao pai.
Na verdade, quando ele comenta muitos versos bíblicos, ele o faz mencionando conceitos do Magnus Opus do pai, o Guia dos Perplexos. Ele chegou a mencionar a visão do Rambam, do segundo Tomo, capítulo 45, aonde o Rambam esclarece que, quando a Escritura diz que Divindade realizou um ato, isso não deveria ser compreendido como que a sugerir "envolvimento divino direto", posto que a Divindade não se envolve na alteração dos eventos.
Esta visão nega a interpretação mágica da Bíblia, a crença no sobrenatural, tão defendida por místicos e mistificadores.
Mas, ao comentar o trecho, o filho parece corroborar com o pai, dizendo que a Torá estaria apenas, nos lembrando enquanto leitores, que o ato ocorreu dentro das leis da natureza; e que Deus é o criador original de tais leis.
Posto isto, Drazin nos informa, quais perguntas serão respondidas por este capítulo:
1) - Quais são os comentários, do rabino Avraham BenHaRambam, sobre a Bíblia Hebraica?
2) Quais são os exemplos, do entendimento que ele tinha, das passagens bíblicas?
O COMENTÁRIO DE AVRAHAM BENHARAMBAM SOBRE A BÍBLIA HEBRAICA
Atualmente, restaram apenas dois, dos comentários que o rabino Avraham teria feito sobre a Torá: Sefer Shemot e Bereshit.
É possível que ele tenha escrito muito mais, mas não temos meios de saber. Também não há clareza histórica, no sentido de entender, por qual motivo tais comentários não sobreviveram; se é que existiram. Teria sido por acaso? Ou, os livros não se tornaram populares e, deixaram de existir porque poucas pessoas se propuseram a copiar as obras e distribuí-las?
Os livros do Rambam por exemplo, foram amplamente copiados. Mesmo o ato simbólico de destruir o Guia dos Perplexos, pela comunidade Judaica Europeia; não significou muito, em termos de acessibilidade à obra, exceto em suas próprias comunidades, de modo isolado.
Uma característica do material de Avraham é que são Apologéticos.
Ou seja, o foco do material é tentar "provar" a veracidade dos temas ali apresentados, mostrando como tais ideias tem relação com os versos bíblicos relacionados.
Drazin comenta, deste modo que, Avraham não adicionou novas ideias. E seus textos não lhe parecem organizados, ou mesmo lógicos.
O foco do comentário de Avraham está no sentido simples do texto <Peshat>. De um modo geral, ele evitava discussões que fossem para temas filosóficos, como era o caminho do Rambam. Mesmo assim, o leitor atento encontra comentários que, mostram opiniões divergentes em relação as do pai.
Exemplos disso, são vistos nas opiniões sobre a ideia de Fé, Profecia e interpretações sobre como o Divino atuaria no mundo.
Avraham também incluiu declarações, que refletiam as visões do Rambam; por exemplo, o princípio de que as pessoas devem usar sua Inteligência.
EXEMPLOS DE VISÕES DIVERGENTES
FÉ
Ao comentar Bereshit 12: 11, Nahmanides crítica claramente o Patriarca Avraham, dizendo que ele cometeu o grande pecado da falta de fé, quando mentiu para salvar sua vida, alegando que Sarah era sua irmã, para que os Egípcios não o assassinassem por causa dela.
De acordo com Nahmanides, Avraham teria é que ter fé de que Deus o protegeria.
Quando você olha o mesmo cenário do ponto de vista do Rambam, você aprende que, a Divindade não é um interventor, como um gênio da lâmpada ou, um mago; para justificar a crença de que, quando estamos com problemas, deveríamos esperar que "os céus se abram" para nos trazer socorro. Em vez disso, o conceito da Providência tem relação direta com o Intelecto Ativo e, é isso que salva a pessoa do perigo.
O filho do Rambam não critica o Patriarca Avraham, pelo que disse sobre Sarah; mas sua fica se coloca "entre" o Ramban e o Rambam. Ele diz que as pessoas devem ter fé (no modelo do Ramban) e, se fizerem isso, poderão usar sua Inteligência (talvez, no modelo do Rambam) para resolver seus problemas:
Se o fiél tiver certeza (da sua fé) nada é removido desta certeza, quando ele usa esforços naturais (ou seja, a inteligência) para se salvar.
Note que, a tentativa de Avraham aqui em combinar a sua ideia de fé, com a "razão", não é o tipo de compromisso que satisfaria o Rambam - já que, esta "explicação" ainda promove a ideia da "crença em mágica"; apenas pedindo para que se mantenha tal crença, quando por desespero, se utilizar a inteligência para resolver problemas, que a mágica não resolveu.
Deste modo, Drazin observa que ele rejeitou a visão de ambos os sábios. Tanto a visão do Rambam, sobre Providência não ser mágica mas, o Intelecto Ativo; quanto a visão do Ramban, de que se deve esperar pela intervenção miraculosa como demonstração de fé absoluta.
PROFECIA
A Bíblia Hebraica, em Bereshit 37: 11, diz que os irmãos de Iossef "o invejaram", depois dele ter contato sobre os sonhos, que previam que ele governaria sobre os demais.
Avraham nota que, os irmãos "o odiaram", depois do primeiro sonho, mas o "invejaram" depois do segundo sonho; dado que sentiram que a repetição, servia para indicar que aquela profecia de fato ocorreria.
Deste modo, Avraham parece estar dizendo que Iossef recebeu uma profecia, via sonho. Isso contradiz a visão do Rambam, ensinando que a profecia - também - não é um evento sobrenatural, mas um elevado nível da ação do Intelecto Ativo.
EXEMPLOS DE VISÕES CONVERGENTES
OU PARCIALMENTE DE ACORDO
COM O RAMBAM
USAR A TORÁ PARA ENCORAJAR A COMUNIDADE JUDAICA
Como seu avô e pai, Avraham também achou necessário escrever para prover encorajamento em tempos extremamente difíceis. Apesar de viver sob regime muçulmano, ele sabia que os cristãos estavam em ativa perseguição contra Judeus pelo mundo. Estas perseguições envolviam disputas públicas que procuravam incitar a população contra Judeus, legitimar assassinatos e, por medo de tortura e morte, fazer Judeus se converterem ao Cristianismo. Os representantes da religião cristã usavam com frequência, textos como o de Bereshit 49: 10 "o cedro não se afastará de Iehudá, nem o governo de seus pés <Ad iavoh Shilo> cujo final enigmático, é traduzido como "até que Shilo venha".
Os cristãos debatiam que, o verso estaria dizendo que o "Judaísmo" só duraria até "a vinda de Shilo" - que, eles explicavam como se referindo ao personagem Jesus.
Eles liam (e talvez, leia até hoje, enfim) שילה <Shilo> como se fosse שלו <Shelo>, que significa "ele" em Hebraico; para criarem a "interpretação" de que, o texto estaria falando do "filho Dele" - no caso, dentro da fantasia de Deus ter um "filho" no sentido dado por esta religião.
E era assim que eles "justificavam" a ideia, de que a Bíblia estaria "dizendo" que o Cristianismo substituiu o Judaísmo...
Avraham comentou:
O reino de Iehudá (o cedro ou governo) terminou, aproximadamente, seiscentos anos antes do suposto nascimento de Jesus, assim o verso dizer que não terminaria até que <shilo> viessem, não pode se referir a Jesus.
Se o verso se refere a uma nação judaica, em vez de um reino, a nação judaica não seria destruída até o ano 70, anos depois da morte do Jesus.
O QUE É A IMAGEM OU SEMELHANÇA DE DEUS?
Bereshit 1: 26 apresenta no texto, no qual somos informados de que o Adam foi feito, "à imagem e semelhança" do Divino, expressando isso, no texto Hebraico, no plural בצלמנו כדמותנו <B'Tzalmenu K'Dimutenu>.
No verso 27 o texto declara que a Divindade, "criou o Adam em Sua Imagem".
O primeiro caso, poderia facilmente ser interpretado como uma referência a outros Elohim, participantes da criação do Adam, mesmo que se considere o termo "elohim" como uma referência a <Malahim>.
De qualquer modo, os dois textos parecem indicar que a Divindade tem um corpo físico, um corpo com "imagem" e que portanto, algo poderia ter alguma "semelhança".
O filho do Rambam explica que, o verso 27 está no singular בצלמו <Be'Tzalmo> indicando que o verso 26 também deve ser entendido, no singular e; mais precisamente, como um "plural majestático". Esta elucidação reflete o comentário do Rambam, no começo do Guia dos Perplexos.
O Rambam esclarece que, a premissa a ser considerada antes de mais nada, é que a Divindade não tem um corpo físico. Entendido isso, sua "imagem" e "semelhança" não podem se referir a aparência, mas àquilo que distinguiria o ser humano, de tudo o mais que existe: O Intelecto Ativo.
HAVIA TRABALHO NO ÉDEN?
O Rambam compreende que, o relato do Éden é uma alegoria para ensinar sobre o erro, de se julgar o mundo, baseado na noção de "bem e mal", a tal "árvore do conhecimento do bem e do mal".
Em vez disso, se deve estudar sobre a natureza - isto é, a realidade - de onde verdades sobre o mundo podem ser aprendidas. Na realidade não há "bem e mal", mas apenas o certo e o errado, o verdadeiro e o falso. Se deve obter tal conhecimento e, usá-lo para melhorar a si mesmo e a sociedade.
Com tal concepção, o Rambam não precisou ter que explicar Bereshit 2: 15, aonde se diz ויקח יהוה אלהים את־האדם וינחהו בגן־עדן לעבדה ולשמרה - E o HaShem Elohim tomou a este, o Adam, e o colocou no Jardim do Éden para que [ali] trabalhe e [o] guarde.
O problema então, apenas existe para quem quer interpretar o relato literalmente. Se isto acontece, surge a pergunta: por qual motivo o ser humano precisava trabalhar "no paraíso"; e de onde surge a necessidade de "proteger" o paraíso?
O rabino Avraham Ibn Ezra, que interpreta o texto literalmente, escreve que o Adam precisava de "água para as plantas" - daí o trabalho - e precisava "proteger o lugar de animais" - daí a necessidade de proteção.
A tradução Aramaica da Torá, chamada por acadêmicos de Pseudo-Ionatan, bem como o Midrash Bereshit Rabá 16:9 - ricos em elaborações lendárias e sobre a halahá - trazem a ideia de que, o Adam foi colocado no Éden para "trabalhar" na Torá, e "guardar" os mandamentos (essa é do pseudo-Ionatan), trazendo Ofertas (essa é do Midrash).
Parece que Avraham aceitava a interpretação do pai, de que o relato do Bereshit não seria literal. Ele escreve que, o verso se refere ao que as pessoas, da geração, chamariam de "trabalho sobre si mesmos", na aquisição do conhecimento. E o que o verso chama de "guardar", se refere também a "guardar a si mesmo" para não fazer nada errado. Ele tenta provar seu argumento, dizendo que em Hebraico, as palavras usadas para "trabalho" e "guarda/proteção" são usadas em outros locais, do modo por ele indicado.
MAIS, SOBRE O USO DA INTELIGÊNCIA
Avraham repete várias vezes, ensinos do pai, sobre ser uma obrigação estudar e aprender, usar suas mentes para melhorarem a si mesmos e a sociedade. Ele faz isso, até meio que forçando a interpretação do verso.
Um exemplo trazido pelo Drazin, é o uso que ele faz, da frase de Bereshit 1: 28, "e o Elohim lhes disse" (ao Adam e a Havá), para implicar que o texto se refere apenas ao que a Escritura designaria como "humanos" (Adam entendido então, neste sentido de "ser" humano); mas, para "não humanos", a frase usada seria "E Elohim os abençoou, dizendo: Frutificai e multiplicai" tal qual Bereshit 1: 22.
O fato de não dizer naquele caso, "lhes disse", servia de "prova" para Avraham, de que a Divindade fazia diferença entre "humanos e não humanos". Quem tinha "inteligência" seria humano e, quem não tinha não seria.
[Perush al HaTorah, Bereshit 1: 28]
IÁACOV REZOU PARA UM MALÁ'H?
Em Bereshit 48: 16 se diz que Iáacov rezou a um <Malá'h>. Aqueles que interpretam textos bíblicos literalmente dizem que, o texto da Bíblia Hebraica estaria dizendo que Iáacov acreditava em <Malahim> no sentido hoje popularizado - seres mágicos, humanóides, alados e/ou espíritos (de mortos recentes, ancestrais, etc) - e, que seria adequado "se relacionar" com tais "seres", para obter "resultados" por meio da "influência/acesso" que tais seres teriam, com o Divino/celestial; por meio então, de orações diretas, pedindo assistência.
Tal opinião, era por exemplo, a postura do Rashi ao comentar o trecho.
Avraham lembra a seu leitor, no entanto, sobre o ensino do pai - que, consta no Guia Tomo 2 capítulo 48 - que, quando a Bíblia Hebraica declara que a Divindade ou, um <Malá'h> faz algo (neste caso, ouvindo a reza de alguém), a declaração tem a intenção de expressar que, a ação é realizada de acordo com as leis da natureza; que são por sua vez, criações divinas. Assim, a intenção do treco seria dizer que, Iáacov rezou ao Divino, e seres humanos agiram em resposta favorável ao que ele havia rezado.
Drazin nota que, deste modo, Avraham não usa o aprendizado do Tomo 2 Capítulo 48 do Guia de modo consistente, com o que é ensinado ali.
Em seu comentário a Bereshit 40: 23, ele diz que concorda com a interpretação de Shmuel benHafni, que diz que quando "o chefe copeiro não se lembrou de Iossef" (a previsão de Iossef sobre ele foi a de que, seria salvo) isto não teria sido um esquecimento normal, mas, "um esquecimento que foi provocado por Deus".
Sabemos disso então, que se Avraham tivesse mesmo aprendido do pai, dentro do que é ensinado no Tomo 2 capítulo 48; ele teria compreendido que o "esquecimento" não teria sido provocado "magicamente, por Deus"; mas, teria ocorrido naturalmente - já que, seria injusto atribuir a uma ação "pessoal" do Divino, o fazer alguém esquecer, para prejudicar a outro.
O VER DEUS
Uma das porções das Escrituras que causam mais perplexidade e questionamentos, é a descrição dos líderes israelitas subindo ao Monte Sinai e, "vendo Deus"; comendo e bebendo (supostamente) num banquete com Deus. Shemot 24: 9 diz:
ויעל משה ואהרן נדב ואביהוא ושבעים מזקני ישראל
Então, Moshe e Aharon, Nadav e Abihu e os Setenta Anciãos de Israel, subiram
ויראו את אלהי ישראל ותחת רגליו כמעשה לבנת הספיר וכעצם השמים לטהר
E viram o Elohim de Israel - e abaixo de seus pés, havia uma semelhança de um pavimento de safira, como o céus em sua claridade.
ואל־אצילי בני ישראל לא שלח ידו ויחזו את־האלהים ויאכלו וישתו (ס)
Mas, Ele não estendeu Sua mão contra os líderes dos israelitas. Eles contemplaram o Elohim - e, eles comeram e beberam.
O Rambam declara, insistentemente que, a Divindade não tem corpo. Nem partes de um corpo, como mãos e pés.
Ele elucida no Guia, Tomo 1 capítulo 4, que a declaração de que eles "viram" é usada ali - tal como em muitas passagens das Escrituras - no sentido figurado da expressão, indicando um "entendimento mental" da parte deles, já que a Divindade não pode ser percebida, por meio dos olhos.
No Tomo 1 capítulo 5, ele elucida que, o propósito de todo o trecho é criticar o ato deles, de "ver" (isto é, o modo de interpretar a Divindade) em vez de descrever "como" ele viram.
Diferente de Moshe, estes anciãos não tinham entendimento profundo da natureza e, por causa disso, não compreendiam o Divino. Eles ainda achavam ser possível que a Divindade fosse física, de tal modo que seria possível a uma pessoa "ver" a Divindade.
Como resultado de seu entendimento confuso, eles são descritos como se envolvendo em "instintos naturais", indo comer e beber.
O Rambam declara então, que este capítulo ensina que, "devemos perseverar no aperfeiçoamento de nosso conhecimento dos elementos (da natureza), e no entendimento elevado dos (conhecimentos) preliminares (no caso dele, matemática e física), para "purificar" nossas mentes, de tais erros e deficiências".
[Drazin acrescenta que o próprio Midrash Rabá declara que, os anciãos foram punidos, por falhar na compreensão divina adequada, durante este evento]
Deste modo, o Rambam explica Shemot 24: 9-11 como uma relato sobre uma visão profética, não sobre um evento real.
Ele usa o episódio para enfatizar os conceitos da incorporalidade Divina, e da obrigação humana de estudar o mundo físico ("o conhecimento dos elementos"), para entender como o mundo funciona e como então, é a "ação divina" no mundo.
Drazin enfatiza que, enquanto não é preciso ter dúvidas de que, Avraham conhecia tais declarações do pai, se vê que ele seguiu mesmo outro caminho.
Ele diz [Perush al HaTorah, Shemot 24: 10] que, tal qual dito pelo pai, os nobres de Israel não "viram" Deus.
Entretanto, ele adiciona que os nobres viram "uma luz criada (por Deus) para este propósito".
Esta ideia de uma luz, especialmente criada, foi inventada pelo Saadia Gaon; cujas ideias o Rambam critica, no Guia, no capítulo 21 do primeiro Tomo.
Avraham também dizia que, os nobres viram "o mundo dos anjos" e, isto parece indicar que, ele teria entendido o trecho como uma experiência profética, não um avistamento real de "anjos".
Seja como for, o Rambam via o conceito de <Malahim>, não como o de "seres" celestiais (os funcionários ou "staff" de Deus), como Avraham diz; mas, forças da natureza, que ao fazer funcionar a realidade, "concretizam" então, a vontade divina.
ATITUDE SOBRE A MULHER
O décimo capítulo descreve, a atitude negativa do Rambam sobre mulheres. Infelizmente (e como era esperado de alguém do século XII), Avraham mantinha as mesmas visões retrógradas sobre o tema.
Ele explica que, "quando Iáacov teve uma filha, e ela foi chama de Dináh", o termo vem da raiz Hebraica <Din> = Julgamento, dado que uma filha, é <Neh'shav Ke'Onesh> = Equivalente (ou, considerada como se fosse) uma punição.
Avraham inclui uma segunda interpretação, que contraria a visão do pai sobre profecia não ser um fenômeno sobrenatural; dizendo que "de modo alternativo", se poderia dizer que Leah (a mãe dela) previu, por meio da profecia, que os problemas que seria trazidos sobre a família, aconteceriam por meio dela (de Dináh); tal qual registrado no episódio de Shehem.
OS PATRIARCAS OBSERVAVAM OS 613 MANDAMENTOS?
Hazal declaram, no tratado de Iomá 28b, e tal ideia é mencionada no Bereshit Rabá 95: 2; que Avraham, Itzhak e Iáacov, mantiveram os 613 Mandamentos, mesmo que a Divindade não os tivesse ordenado, já que a Torá só seria outorgada séculos após o falecimento deles.
Avraham rejeitada tal ideia - literalmente - e dizia que Hazal tiveram a intenção de dizer que, dado que os Patriarcas entendiam sobre a Unicidade da Divindade; é como se eles cumprissem todos os 613 Mandamentos.
De modo similar, quando Rambam lida com os Patriarcas no Guia, Tomo 3 capítulo 29, ele elogia o Patriarca Avraham por reconhecer a Unicidade Divina.
Depois, talvez por causa da importância de tal reconhecimento na figura lendária de Avraham; ele pode ter nomeado seu filho de acordo. Se o Rambam sentiu que o Patriarca observava "todos os mandamentos", ele teria dito isso e não o fez.
POR QUAL MOTIVO ITZHAK AMAVA ESSAV?
Enquanto diz que considerava agradável a literatura Midráshica, Avraham - tal qual o pai - preferia entender a Bíblia de acordo com o que ele interpretava ser, o "sentido simples".
[O Rambam comenta sobre Midrash, no começo do Shemoneh Perakim, quando faz uma introdução ao Pirkei Avot]
Bereshit 25: 28 declara, ויאהב יצחק את־עשו כי־ציד בפיו ורבקה אהבת את־יעקב - Itzhak favorecia Essav, porque ele <Tzaid Be'Pi'v> gostava da caça; mas Rivka favorecia Iáacov.
O termo <Tzaid Be'Pi'v> literalmente quer dizer, "com a caça na boca".
E o Midrash Bereshit Rabá é usado pelo Nahmanides - e outros intérpretes como Rashi - para dizer que, Essav conseguia o que queria do pai, por "alimentá-lo com engano".
Avraham admitia que, a interpretação era considerada por ele, agradável e "esperta"; mas, declarava que, preferia o sentido pleno do texto - dado pela tradução de Onkelos - no qual se diz, וּרְחֵם יִצְחָק יָת עֵשָׂו אֲרֵי מִצֵּידֵיהּ הֲוָה אָכִיל וְרִבְקָה רְחֵימַת יָת יַעֲקֹב: - Itzhak amava Essav, pois ele estava acostumado a comer de sua caça.
Ibn Ezra, o Rashbam e uma interpretação alternativa do Rashi; consideram a mesma abordagem de Onkelos. O Saadia Gaon interpreta o termo "com a caça na boca", no sentido de "por causa de seu conhecimento sobre caça".
SUMÁRIO
Tal qual seu avô e pai, Avraham preferia explicações da Torá que melhor refletissem o sentido simples, em geral, evitando as elaborações do Midrash.
Ele não incluiu reflexões filosóficas, como o pai fez; embora suas opiniões possam ser vistas em seus breves comentários.
Ele pregava a fé cega, ao contrário do pai que dava ênfase ao uso da inteligência, apesar de deixar claro a visão do pai sobre o estudo, depender o uso da inteligência.
Alguns de seus comentários contradizem as visões do pai, outros a modificam ou, desconsideram.
Apesar de sua abordagem sobre a vida em geral, e sobre o Judaísmo em particular, diferir enormemente da visão do Rambam; Avraham nunca menciona ou sequer provê dicas, de que discordava do pai no que ensinava.
Drazin, então, cita Paul B. Fenton (Dr de Estudos Hebraicos e Judaicos, Departamento de Estudos Árabes e Hebraicos, Universidade Paris-Sorbonne):
De fato, o filho único do Rambam, enquanto se colocando como continuidade e intérprete da doutrina do pai; desenvolveu seu próprio sistema ético e religioso; que acabou se aproximando surpreendentemente, com o Misticismo Islâmico.
[Philosophic Mysticism, pag 15, de Blumenthal - Introdução]
CAPÍTULO 8 - CARTA DO RAMBAM A SEU FILHO
Neste capítulo, Drazin comenta que seria muito bom se tivéssemos uma carta do Rambam, delineando a seu filhos, seus ensinos básicos. Tal carta nos serviria de guia, bem como de inspiração a todos os leitores.
Uma carta assim, foi atribuída ao Rambam; uma carta, na qual um sábio oferece a seu filho, Avraham, instruções morais. Porém, como será visto, dada a claríssima diferença entre o escrito de escrita, as ideias, apresentadas na carta, contradizendo o pensamento Maimonideano, o consenso entre pesquisadores, é que a carta é forja.
Não se sabe quem foi o autor da tal carta, mas provavelmente ela foi elaborada uma geração ou duas, após o falecimento do Rambam. Dado que a carta descreve o Rambam, encorajando seu filho a estudar Ibn Ezra - que, enquanto racionalista passou por experiências parecidas com as do Rambam, no que diz respeito a rejeição das comunidades judaicas que abraçaram o misticismo - a carta foi criada, na ideia de inspirar judeus para que lessem as obras de Ibn Ezra, bem como admitir seu modo de ver, filosófico. O autor da tal carta, pode ter acreditado que seus leitores, provavelmente aceitariam aquilo que era visto como um "racionalismo radical" de Ibn Ezra, se o Rambam - que era um racionalista amplamente respeitado - "desse" a Ibn Ezra, seu "selo de aprovação".
Apesar de o estudo acadêmico apresentar uma análise que aponta para o real - isto é, de que a carta é forjada e não foi escrita pelo Rambam - a leitura desta carta, nos provê o entendimento de alguém vivido no final do século XII sobre o Rambam.
Este capítulo do livro, provê respostas a 3 perguntas:
O que diz a carta?
Quais elementos da carta, demonstram que é uma forja?
Como a carta é inconsistente com o ensino do Rambam?
O CONTEÚDO DA CARTA DO RAMBAM AO FILHO
A "carta do Maimonides a seu filho Avaham", foi reproduzida nas dezesseis páginas da obra, "Letters of Maimonides" (cartas de Maimonides) de Leon D. Stitskin
Ao contrário de outras obras do Rambam, as que possuem ensinos filosóficos, esta carta tem por objetivo comentar sobre o comportamento adequado e, faz isso sem mencionar o ensino Maimonideano, fundamental e até popular, de que devemos admitir o princípio Aristotélico chamado, "Doutrina do Meio-termo", como base para o comportamento ético.
[Qual o conceito da "Doutrina do Meio-termo" de Aristóteles?
Basicamente, como o título sugere, a ideia é que se procure, na tomada diária de decisões, o "meio-termo" que, evita posicionamentos extremos, dado que são associados a distanciamentos da moderação, da harmonia, do equilíbrio. Assim, mesmo que na visão Grega, se fale de "coragem" por exemplo, como uma importante virtude; não se deve exercer tal virtude em excesso, pois, se isso for feito ela se torna Imprudência, deixando de ser a virtude que era.]
Não há indicação na carta mesma, sobre o motivo que "teria" levado o Rambam a falar sobre ética, uma vez que já tinha elaborado sobre isso, e de forma bem mais organizada, em seu <Shmonei Perakim>, a introdução de oito capítulos do Tratado da Mishná, Avot.
MÁXIMAS MENCIONADAS NA CARTA
A carta é plena de máximas morais, encontradas em absolutamente todos os trabalhos sobre moralidade não Maimonideanos. Declarações de senso comum, falta de organização lógica e profundidade, não fazem parte da marca da genialidade do Rambam.
Dentre tais declarações, foram incluídas frases como:
"Ame a verdade e a justiça, e se aproxime delas" - "Seja zeloso pelo bem-estar dos outros, mesmo que além do que é seu dever; mantenha sua palavra" - "Seja amigável com estrangeiros" - "Reconheça, portanto, a virtude da paciência" - "Coma apenas para viver e afaste a luxúria" - "Envolva-se em trabalho pesado antes do almoço, mas relaxe após se alimentar" - e - "Se conduza com modéstia... Saiba, que não há ornamento mais precioso do que, o da modéstia".
A carta porém, carece d a atenção especial, que o Rambam dava para o conceito de humildade, sua única exceção à Doutrina do Meio-Termo. Ou seja, de que não deve buscar o "caminho do meio" no caso da Humildade, mas ir até o extremo da modéstia, e afastar-se ao máximo do orgulho.
Trecho do Shemonei Perakim 4: 6:
ולזה הענין לא היו החסידים מניחים תכונת נפשותיהם תכונה הממוצעת בשוה, אך היו נוטים מעט לצד היותר או החסר על דרך (הסייג) והשמירה, ר"ל על דרך משל שהיו נוטים מן הזהירות לצד העדר הרגשת ההנאה מעט, ומן הגבורה לצד מסירת עצמו בסכנות מעט, ומטוב הלבב לצד יתרון טוב הלבב מעט ומן הענוה לצד שפלות הרוח מעט וכן בשאר, ואל זה הענין רמזו באמרם לפנים משורת הדין. אבל מה שעשו (אותם) החסידים בקצת הזמנים וקצת אנשים מהם גם כן מנטות אחר הקצה האחר כצום, וקום בלילות, והנחת אכילת בשר ושתיית היין, והרחק הנשים, ולבוש הצמר והשער, ושכינת ההרים, והתבודד במדברות לא עשו דבר מזה אל דרך הרפואה כמו שזכרנו ולהפסד אנשי המדינה גם כן כשיראו שהם נפסדים בחברתם וראות פעולותיהם עד שיפחדו מהפסד מדותיהם בעבורם, ועל כן ברחו מהם למדברות ולמקום שאין שם אדם רע כמאמר הנביא ירמיה ע"ה, מי יתנני במדבר מלון אורחים ואעזב את עמי ואלכה מאתם כי כלם מנאפים עצרת בוגדים.
Por esse motivo, os piedosos não estavam acostumados a fazer com que suas disposições, mantivessem um equilíbrio exato entre os dois extremos, mas se desviavam um pouco, por meio de restrição [e cautela], agora [indo] no sentido do exagero e no sentido da deficiência. Assim, por exemplo, a abstinência se inclinaria até certo ponto, [indo no sentido] da negação excessiva de todos os prazeres; a coragem se aproximaria um pouco da temeridade; generosidade da prodigalidade; modéstia da humildade extrema, e assim por diante. Isto é o que sugeriram, ao dizer: <Lifnin Meshurat HaDin> - "Ir além da letra da Lei". Quando, às vezes, alguns dos piedosos se desviavam a um extremo, jejuando, ou mantendo vigílias noturnas, abstendo-se de comer carne ou beber vinho, renunciando às relações sexuais, vestindo roupas de lã e peludas, morando nas montanhas e vagando no deserto; eles o fizeram, em parte como <Dére'h HaRefuá> meio de restaurar a saúde, como explicamos antes, e em parte, por causa da imoralidade do povo da cidade. Quando os piedosos perceberam que eles mesmos poderiam ser contaminados, por associação com homens maus; ou por constantemente ver suas ações, temendo que sua própria conduta se tornasse corrupta, por causa do contato com eles; eles fugiram para as áreas selvagens, longe de sua sociedade, como o o profeta Irmiahu disse: (Irmiahu 9: 1) "Preferiria morar no deserto, no alojamento de algum viajante - então, eu poderia ficar longe de meu povo e distanciar-me dele. Na verdade, todos eles são adúlteros, um bando de traidores.
e o próximo verso, Irmiahu 9: 2 completa:
וידרכו את־לשונם קשתם שקר ולא לאמונה גברו בארץ כי מרעה אל־רעה יצאו ואתי לא־ידעו נאם־יהוה ס
Eles curvam a língua, seu arco de falsidade, e fazem agitação na terra, mas não com a verdade. Pois eles vão de um mal a outro e não me conhecem, diz o HaShem.
[O Rambam fala sobre isso, também no <Shmonei Perakim>]
AS INCONSISTÊNCIAS APARENTES
A segunda indicação de que o Rambam não foi autor desta carta, está nas declarações na carta, de contradizem as palavras do Rambam, no Guia dos Perplexos.
Estas declarações são inconsistentes, embora o tema seja discutido. Como foi dito no capítulo 10 da obra Maimonides: The Exceptional Mind, o Rambam escreve para públicos distintos. O que seus públicos tinham em comum, é que eram observantes rigorosos de rituais. O que os distinguia, era seu grau de instrução, suas habilidades intelectuais e inclinações.
Um dos públicos-alvo do Rambam - um público que era, pequeno demais, para sequer ser considerado um "grupo" - é o das pessoas educadas em ciências e filosofia, com mentes capazes e inclinações pela busca da verdade sobre o mundo, ideias que não compreendiam quando eram jovens e imaturos.
O outro público-alvo do Rambam - consistia da maioria das pessoas, da população geral. Era constituído de indivíduos que, não tiveram educação, nada sabiam sobre ciências, muito menos de filosofia e, eram inclinados a aceitar pela fé cega - sem nem ter consciência disso também - os ensinos que lhes eram apresentados; mesmo que da parte dos sábios do Talmud, a intenção nunca tenha sido esta.
Estas pessoas não eram capazes de compreender os ensinos mais profundos do Rambam, pois a base de seu pensamento estava em noções equivocadas, dado a falta de educação adequada; gerando a inclinação mental e falta de sagacidade na compreensão das ideias, que lhes eram novas; e transformadoras.
Filósofos antigos, como Platão, reconheciam que, era mesmo necessário falar para este grupo, em seu nível, para ser possível ensiná-los, as "verdades necessárias" - quer dizer - ensinar as "verdades" que eles tinham habilidade de aceitar, apesar de que, não eram "verdades de fato".
Estas declarações também possuem outro título: Mentiras Nobres.
Estas mentiras são chamadas de "nobres", pois se considera que ajudam a pessoa comum a 'viver de modo seguro' na sociedade, apesar de que, ele ou ela, ter aprendido conceitos fantasiosos, sobre o mundo e sobre o Divino.
O Rambam escreveu seus livros, esperando que pudessem colaborar para o aperfeiçoamento do primeiro grupo. Ele reconhecia que o comum, carente de educação, também leria (ou, ouviria como era mais provável) composições suas e; deste modo, mencionou "as verdades necessárias", que ele esperava que, seus leitores capacitados fossem capazes de reconhecer e, saber que não lhes era direcionado. Isto certamente dificulta a leitura, num primeiro momento. Outros livros de Drazin, trabalham justamente em meios de se "decodificar" - por assim dizer - tais conceitos.
Dado que estes são os fatos, a alegação de que a carta que teria sido escrita pelo Rambam a seu filho, contivesse declarações que se opunham a suas reais opiniões (ou antes, a suas opiniões sem filtro) não indicam - por si só - que não pudessem ter sido ditas pelo Rambam. Ele poderia ter escrito tais "verdades necessárias".
Entretanto, dado que a carta foi supostamente composta, especificamente para seu filho - e não para o público leigo - e o filho seria alguém, que ele considerava sábio - é muito mais plausível que, ao filho ele diria exatamente o que pensa.
A seguir, as aparentes inconsistências encontradas na carta.
BEM E MAL
No início, a carta agradece ao Divino "pela habilidade de distinguir o bem do mal".
Isso contradiz diretamente o Guia dos Perplexos, Tomo I capítulo 2, aonde o Rambam diz que, esta "habilidade" não era "algo desejável" (nem existente) mas, dizia respeito apenas a uma habilidade cognitiva inferior. Assim como a "humildade" é a capacidade adquirida via hábito, de agir de acordo com a "doutrina do meio-termo", o nível elevado, é a capacidade de distinguir entre a verdade e a falsidade.
Guia dos Perplexos, Tomo I capítulo 2:
הקשה לי איש חכם זה לו שנים קושיה גדולה - צריך להתבונן בקושיא ובתשובתנו בפרוקה: וקודם שאזכור הקושיא ופרוקה אומר כי כבר ידע כל עברי כי שם 'אלוהים' משתתף לאלוה ולמלאכים ולשופטים מנהיגי המדינות. וכבר באר 'אונקלוס הגר' ע"ה (והאמת מה שבארו!) כי אמרו "והייתם כאלוקים יודעי טוב ורע" - רוצה בו הענין האחרון - אמר 'ותהון כרברביא': ואחר הצעת שתוף זה השם נתחיל בזכרון הקושיא: אמר המקשה יראה מפשוטו של כתוב כי הכונה הראשונה באדם - שיהיה כשאר בעלי חיים אין שכל לו במחשבה. ולא יבדיל בין הטוב ובין הרע; וכאשר המרה הביא לו מריו זה השלמות הגדול המיוחד באדם והוא - שתהיה לו זאת ההכרה הנמצאת בנו אשר היא - הנכבד מן הענינים הנמצאים בנו ובה נתעצם. וזה - הפלא שיהיה ענשו על מריו תת לו שלמות שלא היה לו והוא - השכל! ואין זה אלא כדבר מי שאמר כי איש מן האנשים מרה והפליג בעול ולפיכך שנו בריתו לטוב והושם כוכב בשמים. - זאת היתה כונת הקושיא וענינה ואף על פי שלא היתה בזה הלשון: ושמע עניני תשובתנו. אמרנו אתה האיש המעין בתחלת רעיוניו וזממיו ומי שיחשוב שיבין ספר שהוא הישרת הראשונים והאחרונים בעברו עליו בקצת עתות הפנאי מן השתיה והמשגל כעברו על ספר מספרי דברי הימים או שיר מן השירים! התישב והסתכל כי אין הדבר כמו שחשבתו בתחלת המחשבה אבל כמו שיתבאר עם ההתבוננות לזה הדבר. וזה - כי השכל אשר השפיע הבורא על האדם - והוא שלמותו האחרון - הוא אשר הגיע ל'אדם' קודם מרותו; ובשבילו נאמר בו שהוא 'בצלם אלוקים ובדמותו' ובגללו דיבר אתו וצוה אותו כמו שאמר ויצו יי אלוקים וכו'" - ולא תהיה הצואה לבהמות ולא למי שאין לו שכל. ובשכל יבדיל האדם בין האמת והשקר; וזה היה נמצא בו על שלמותו ותמותו. אמנם המגונה והנאה - הוא במפורסמות לא במושכלות; כי לא יאמר; השמים כדוריים - נאה ולא הארץ שטוחה - מגונה אבל יאמר אמת ושקר. וכן בלשוננו יאמר על הקושט ועל הבטל - 'אמת ושקר' ועל הנאה והמגונה - 'טוב ורע'; ובשכל ידע האדם ה'אמת' מן ה'שקר' וזה יהיה בענינים המושכלים כולם. וכאשר היה על שמות עניניו ותמותם והוא עם מחשבתו ומושכליו אשר נאמר בו בעבורם "ותחסרהו מעט מאלוקים" - לא היה לו כוח להשתמש במפורסמות בשום פנים ולא השיגם - עד שאפילו הגלוי שבמפורסמות בגנות - והוא גלות הערוה - לא היה זה מגונה אצלו ולא השיג גנותו. וכאשר מרה ונטה אל תאוותיו הדמיוניות והנאות חושיו הגשמיות כמו שאמר "כי טוב העץ למאכל וכי תאוה הוא לעינים" - נענש בששולל ההשגה ההיא השכלית ומפני זה מרה במצוה אשר בעבור שכלו צווה בה והגיעה לו השגת המפורסמות ונשקע בהתגנות ובהתנאות; ואז ידע שיעור מה שאבד לו ומה שהופשט ממנו ובאיזה ענין שב. ולזה נאמר "והייתם כאלוקים יודעי טוב ורע" ולא אמר 'יודעי שקר ואמת' או משיגי שקר ואמת' - ואין בהכרחי 'טוב ורע' כלל אבל 'שקר ואמר'. והתבונן אמרו "ותיפקחנה עיני שניהם וידעו כי עירומים הם" - לא אמר 'ותפקחנה עיני שניהם ויראו' כי אשר ראה קודם הוא אשר ראה אחרי כן - לא היו שם סנורים על העין שהוסרו; אבל נתחדש בו ענין אחר שגינה בו מה שלא היה מגנהו קודם: ודע כי זאת המילה - רצוני לומר 'פקוח' - לא תפול בשום פנים אלא על ענין גלות ידיעה לא ראות חוש יתחדש "ויפקח אלוקים את עיניה" "אז תפקחנה עיני עורים" "פקוח אזנים ולא ישמע" כאמרו "אשר עינים להם לראות ולא ראו": אבל אמרו על 'אדם' "משנה פניו ותשלחהו" - פרושו ובאורו כאשר שינה מגמת פניו - שולח (כי 'פנים' שם נגזר מן 'פנה' כי האדם בפניו יכון לדבר אשר ירצה כוונתו) - ואמר כאשר שינה פנותו וכיון הדבר אשר קדם לו הצווי שלא יכון אליו - שולח מ'גן עדן'. וזהו העונש הדומה למרי 'מדה כנגד מדה' הוא הותר לאכול מן הנעימות ולהנות בנחת ובביטחה; וכאשר גדלה תאותו ורדף אחרי הנאותיו ודמיוניו כמו שאמרנו ואכל מה שהוזהר מאכלו - נמנע ממנו הכל והתחיב לאכול הפחות שבמאכל אשר לא היה לו מקודם מזון ואף גם זאת - אחר העמל והטורח כמו שאמר "וקוץ ודרדר תצמיח לך וכו' בזעת אפיך וכו'"; ובאר ואמר "וישלחהו יי אלקים מגן עדן לעבוד את האדמה"; והשוהו כבהמות במזוניו ורוב עניניו כמו שאמר "ואכלת את עשב השדה" ואמר מבאר לזה הענין "אדם ביקר בל ילין נמשל כבהמות נדמו": ישתבח בעל הרצון אשר לא תושג תכלית כונתו וחכמתו
Um homem de ciência, há alguns anos, me fez uma notável objeção. Devemos considerar a objeção feita, e a resposta que demos. Antes porém, digo o seguinte: Todos [os que conhecem] o idioma Hebraico sabem, que o termo <Elohim> é um homônimo, aplicado a Divindade - a <Malahim> - e aos Juízes, Governadores de Estados.
Onkelos, o convertido - paz esteja sobre ele - esclareceu corretamente, que [no trecho] "e sereis como Elohim, conhecedores do bem e do mal" [de Bereshit 3: 5] a intenção é ao último dos três significados citados antes: "e sereis (רברבין) grandes".
Após tal observação sobre o termo ser homônimo, passo a tratar da objeção.
O autor da objeção disse que, conforme o sentido literal do texto bíblico, parece que a primeira intenção da criação do ser humano, era que ele fosse como o resto dos animais, sem intelecto, sem reflexão e sem discernir entre o bem e o mal.
Porém, ao desobedecer ele teria alcançado a perfeição maior do ser humano, que seria possuir o discernimento que possuímos. Este discernimento seria a coisa mais nobre da nossa existência e, constitui a nossa substância. Ele se surpreende que a punição a seu desvio, tenha sido a concessão da perfeição que não possuía - ou seja, a inteligência.
Esta foi a intenção geral do questionamento, apesar de que não foi expresso nestas exatas palavras.
Ouça o teor de nossa resposta: Você, que examina as coisas com as primeiras ideias que lhe vem à cabeça, e pensa que compreende este Livro - que é o guia dos antigos e dos contemporâneos - porque dedicou a ele, alguns momentos teus, no intervalo entre bebida e sexo - como alguém que folheia um livro de histórias, ou de poesias; Examine com cuidado [o que foi dizer] e reflita [nisso]:
Pois, não é como você tinha pensado, num primeiro momento; mas, como ficará claro depois de ouvir o que tenho a dizer! O motivo pelo qual o Criador emanou sobre o ser humano - e que constituía sua completude - é o que Adam possuía, antes de desobedecer, e por isso foi dito sobre ele, que era "imagem e semelhança do Elohim".
Foi por isso que o Divino se dirigiu a ele, com ordenanças, como [no trecho] "E o HaShem Elohim o ordenou" [Bereshit 1: 26], pois não se pode "dar ordens" aos animais, ou ao que não possua inteligência. É por meio da inteligência, que ele discerne entre a verdade e a falsidade, e esta capacidade era possuída por Adam de forma plena e completa.
No entanto, termos como "feio" e "belo" são opiniões populares, e não são coisas inteligíveis; dado que não se diz [sobre as frases]:
O céu é esférico! - que é uma [frase] bela... [ou]
A terra é plana! - que é uma [frase] feia...
Nós dizemos [sobre tais frases] é que [a primeira] é verdadeira, e a [segunda] é falsa!
Assim também, em nosso idioma, ao falarmos sobre "verdadeiro" e "falso" empregamos as palavras אמת <Emet> e שקר <Sheker>, e quanto a "belo e feio", utilizam-se os termos טוב <Tov> e רע <Rá>, pois é através da razão que o ser humano discerne o que é verdadeiro e o que é falso, e essa é a regra, em relação a todas as coisas inteligíveis.
Quando Adam estava em seu estado mais perfeito e completo, com a perfeição de sua natureza e de suas noções inteligíveis, pelas quais foi dito "e tu és colocado um pouco abaixo dos <malahim>" [Tehilim 8: 6], ele não possuía de modo algum, a noção que se aplica às opiniões populares.
Ele não compreendia, nem mesmo o que há de mais claro dentre as opiniões populares e tido como reprovável, que é a exposição das partes íntimas.
Isso não era reprovável a seus olhos, e ele não compreendia o que poderia haver de reprovável nisto.
E quando desobedeceu e se inclinou na direção dos desejos imaginários, dos prazeres dos sentidos físicos, como em "e aquela árvore, era boa para se comer, e desejável aos olhos" [Bereshit 3: 6], ele foi punido com a privação da compreensão intelectual mais perfeita. Assim, ele foi capaz de transgredir o mandamento que lhe fora dado justamente por ele ser dotado de razão, e [só] então obteve a compreensão das opiniões populares.
Ele ficou imerso na distinção entre o bem e o mal.
Naquele momento, ele entendeu o valor do que perdeu, daquilo que lhe fora tirado e do estado no qual caiu.
Por isso, foi dito "sereis como <Elohim>, conhecedores do bem e do mal" e não: [Sereis como Elohim] conhecedores do que é falso e do que é verdadeiro.
Ou então: [Sereis como Elohim] entendidos no que é falso e no que é verdadeiro.
Em relação ao que é, necessariamente verdade, não há "bem" nem "mal", e sim falso ou verdadeiro.
Observe que, [na frase] "e seus olhos foram abertos, e souberam que estavam nus", não foi dito: [...e seus olhos foram abertos] e viram que estavam nus.
Pois, o que se via antes era [o mesmo] que se via depois.
Não havia uma cobertura sobre o olho [deles], que teria sido retirada; mas sim, [que] eles passaram a outro estado [de consciência], no qual passaram a considerar [como se fosse] repreensível, o que antes, não consideravam.
Saiba, que esta palavra - a saber פקוח <pakua'h> - é aplicada [ali], apenas no sentido de se "revelar um entendimento", e não recobrar o sentido da visão; como em, "o Elohim lhe abriu os olhos" [Bereshit 21: 19], "então, os olhos dos cegos serão abertos" [Ieshaiahu 38: 8], "ouvidos abertos, mas que nada ouvem" [Ieshaiahu 42: 20], [frases] similares a, "tem olhos para ver, mas não veem" [Ieheskel 12: 2].
Quanto ao que foi dito, a respeito de Adam, "muda sua face, e o envias adiante" [Ióv 14: 20], a interpretação e explicação disto é:
"Quando mudou a face/direção, foi expulso".
Pois, פנים <Panim> (face) é um termo, derivado de פנה <Panah> (voltar-se a/dirigir-se a), pois o ser humano se dirige com sua face, para aquilo que deseja seguir.
Por isso foi dito: quando mudou sua direção e se dirigiu àquilo que fora ordenado, a não se dirigir, ele foi expulso do Jardim do Éden.
Esta punição foi equivalente a sua transgressão, medida por medida; pois, lhe foi permitido comer as coisas agradáveis, e [lhe foi permitido] se deleitar do descanso e na tranquilidade.
Todavia, quando desejou avidamente, e foi atrás de seus prazeres e de sua imaginação, como dissemos, e comeu o que lhe havia sido proibido de comer, ele foi privado de tudo isso, e obrigado a comer, do pior dos alimentos; que, antes disso, não era o seu alimento.
E ainda por meio de trabalho e esforço, como foi dito: "...espinho e urtigas, [a terra] produzirá para você..." e "...com o suor do teu rosto..." [Bereshit 3: 18] e, em seguida, é dito claramente:
"O HaShem Elohim, o enviou para fora do Jardim do Éden, para trabalhar a terra" [Bereshit 3: 23]
Ele o fez igual aos animais, em seus alimentos e, na maioria de suas circunstâncias, como em, "e comerá a erva do campo" [Bereshit 3: 18]; e ao esclarecer este assunto, foi dito:
"E Adam, incapaz de permanecer elevado, é como o animal que não fala" [Tehilim 49: 13]
Exaltado seja o HaShem, cujas escolhas e sabedoria, não podem ser contempladas!
Deste modo, ainda que se possa discutir sobre, esperaríamos dele (se o Rambam fosse o autor desta carta), que iniciasse, agradecendo ao HaShem; pela capacidade de distinguir a verdade da ficção!
CARIDADE
A carta aconselha a "distribuir caridade, para além dos seus meios, para que você colha [a recompensa] em bondade".
Mas, isto é inconsistente com a visão da doutrina do meio-termo, lembrada no <Shmonei Pekarim>, volume de ética do Rambam, aonde ele aconselha a NÃO dar caridade para além das suas capacidades.
SHABAT
De acordo com a carta, o Rambam teria dito que a Divindade deu o Shabat aos israelitas, como um mandamento, por ter duas lições.
A primeira, seria a de que o Shabat nos faria "desistir de nossas labutas do mundo, os quais [dado nosso cansaço], nos privariam do entendimento Divino, e de nossa consagração a Seu serviço".
A segunda lição, seria que o motivo da observância do Shabat seria, "para que nos santifiquemos, por meio do envolvimento em coisas espirituais". Este seria um dia "para a perfeição de nossas almas...para servir e conhecer o Senhor".
Não é preciso muito esforço, para compreender que tais declarações são inconsistentes com declarações do Rambam no Guia dos Perplexos.
No Tomo 3, capítulo 32 e 40, o Rambam escreve que "o principal objeto da lei do Shabat, é ensinar a concepção, de que a Divindade criou o mundo".
No Tomo 3: 43, ele repete esta elucidação, adicionando que o ritual, ao mesmo tempo, proporciona um tempo para descanso.
No Tomo 2: 31, ele escreve:
"O Shabat tem, portanto, um benefício duplo: Nos dá concepções corretas [sobre o Universo ter tido um princípio], e também promove o bem-estar de nossos corpos".
Nada é dito sobre "almas", nem sobre "poderes" mágicos, em torno de rituais, quaisquer que sejam.
A IDEIA DE ALMA E ATIVIDADES ESPIRITUAIS
Falando sobre o Shabat, a carta enfatiza a ideia de "aperfeiçoar nossas almas", e "envolvimento em atividades espirituais".
Estas concepções NÃO SÃO MAIMONIDEANAS de modo algum!
O Rambam se foca no desenvolvimento do INTELECTO ATIVO.
Em nossa prévia reflexão sobre a ideia de alma, vimos que o Rambam usava o sistema Aristotélico, fazendo distinções dos fenômenos cognitivos. Aquela era sua forma de se expressar sobre isso.
A frase "envolvimento em atividades espirituais" não possuem qualquer sentido, e não se referem a nenhum aspecto dos sistemas.
Se o Rambam, cuja praxis era a clareza na comunicação, tivesse escrito tal carta; ele teria feito uma pausa, para elucidar ponto a ponto, como cada termo deveria ser compreendido.
REFERÊNCIA A AVRAHAM IBN EZRA
Outra dificuldade, com a questão da autenticidade da carta do Rambam, é a referência que faz a Ibn Ezra. A carta do Rambam mostra uma estima enorme, por Ibn Ezra.
Na carta, o "autor" surge seu filho "a não dar atenção, ou desviar a mente sobre os comentários, tratados e quaisquer outros livros, senão os de Ibn Ezra apenas, que seriam os significativos, e adequados a todos os que estudam, com inteligência, entendimento e visão profunda".
Em 1993, o rabino Isadore Twersky perguntou: Acaso, o rabino Avraham Ibn Ezra influenciou Maimonides? Ele salientou que, muitos acadêmicos negam a autenticidade de tais declarações.
Mesmo na visão de Twersky, o Rambam não conheceu Ibn Ezra. E isso é apoiado pelo fato de que, Ibn Ezra não é mencionado no Guia dos Perplexos.
O Guia dos Perplexos, é a obra em que o Rambam faz alusões a pensadores não judeus, mas as fontes judaicas da época, são escassas. Ele cita, com frequência, a Bíblia Hebraica, o Talmud, Midrashim, mas fora as citações diretas a Onkelos, as únicas figura rabínicas pós talmúdicas, tal qual enfatizado por Shlomo Pines, seriam os Gueonim, Avraham Ibn Daud (1110-1180), Saadiah Gaon (892-942), Iehudá HaLevi (1075-1141) e Moshe Ibn Ezra (1060-1138).
E Ibn Ezra não é mencionado, nem aludido por meio de Halevi ou Moshe Ibn Ezra, que eram seus contemporâneos.
Numa carta do Rambam, de seu tradutor, Shmuel Ibn Tibon, ele nomeia os filósofos que o influenciaram; sem incluir Avraham Ibn Ezra.
Entretanto, ele o menciona de passagem, quando elogiava o pai de Shmuel, dizendo que um certo estudioso, seria "aluno do rabino Avraham Ibn Daud"... bem como, de Avraham Ibn Ezra".
É possível então, que o Rambam tenha chegado a ouvir falar, e talvez até apreciar algum texto de Avraham Ibn Ezra; bem no final de sua vida, depois de já ter concluído o Guia, mas, nada disso pode ser comprovado.
A VISÃO DE DISCÍPULOS DO RAMBAM SOBRE IBN EZRA
Seja como for, o filho do Rambam, menciona Ibn Ezra entre os comentaristas racionalistas da Bíblia Hebraica, aos quais, devemos prestar atenção. E ele cita comentários racionais da Bíblia, em seu próprio comentário.
O bisneto de Avraham benHaRambam, David, o último das cinco gerações de descendentes do Rambam, que serviu como <Naguid> no Egito, encorajou Iossef Bonfils, um distinto estudioso de sua geração, a escrever um supra-comentário, sobre Ibn Ezra.
INCONSISTÊNCIAS
Apesar das inconsistências aparentes, na comparação com outras obras verdadeiramente Maimonideanas, muitos dos supostos comentários atribuídos ao Rambam na carta, se parecem com seus ensinamentos em outros locais.
A carta diz, "Saiba, que a perfeição física precede a espiritual, a primeira é como uma chave que abre os portões do palácio. A ênfase maior na ética é, portanto, no bem-estar físico, e a perfeição moral, seria designada a abrir os portões dos céus a você".
Isto também é consistente com o entendimento Maimonideano da vida se - e somente se - a carta estiver se referindo a "perfeição intelectual", quando fala de "perfeição espiritual".
E pode até ser que esta fosse a intenção, dado que a carta direciona o leitor a ideia de se ter "amor pela sabedoria", e que "adquirisse conhecimento", declarando que "a faculdade do estudo é de grande valor para a autenticação da verdade".
Adicionalmente, na carta atribuída ao Rambam, como conselho ao filho, lhe é atribuída a ideia de se abster totalmente de vinho.
Isto também é consistente com a declaração que o Rambam faz no Guia dos Perplexos, Tomo 3 capítulo 48, "Aquele que se abstém de beber [vinho] é chamado, <kadosh>; sua <kedusha> é semelhante ao do Kohen-Gadol...Esta honra é dada a ele, pois ele se absteve do vinho".
[Note porém, que nos escritos sobre saúde do Rambam, ele apoia a ideia de que, beber vinho promove saúde.
Então, embora isso pareça algo inconsistente, o Rambam provavelmente estava tomando o cuidado, ao transmitir uma ideia via texto escrito, sob o medo de que, poderia ser usado para que alguém, já com problemas, se prejudicasse]
SUMÁRIO
Pouco se pode aprender, da suposta "carta do Rambam a seu filho", sobre o pensamento do Rambam (e do seu filho), dado que o Rambam; muito provavelmente, não foi o real autor desta carta.
As diferenças são grandes demais, para quem já conhece os reais textos do Rambam; mesmo que algumas declarações, pudessem ser "ajustadas" dentro de uma visão Maimonideana.
A carta tem cunho mais místico, que racionalista.
Se a carta, se encaixa na visão mística da vida do filho do Rambam; isso não evidencia que seria de autoria do pai.
Podemos imaginar que, o real autor deve ter achado que estava, de certo modo, "homenageando" o Rambam; mas, tal autor, certamente falhou absolutamente, em compreender os ensinamentos do Mestre que ele tentou "homenagear".
Suas interpretações incorretas, certamente não fazem justiça ao ensino do Rambam e, para os que acreditaram que era mesmo uma carta dele; tais pessoas foram enganadas.
Os interpretes atuais, tem que "escolher aqui e ali", de trechos isolados, para dizer que se trata de "palavras do Rambam"; e ao fazer isso, estão ignorando conceitos claros do Rambam sobre a Divindade, o mundo e a vida - ou mesmo, a totalidade da obra Maimonideana.
Capítulo 9 - "Descendentes" do Rambam - o Legado de Maimônides
O tema já foi mencionado antes - no capítulo 3 - quando se falou de sete gerações de ancestrais do Rambam, ao final de seu Comentário sobre a Mishná. Aprendemos que seu pai se chamava Maimon, seu avô se chamava Iossef, seu bisavô se chamava Itzhak. Este era filho de um Iossef também, que era filho de Ovadiah, filho de Shlomo, filho de um Ovadiah também. Se viu que o nome, Ovadiah, reaparece entre seus descendentes também.
Cinco foram as gerações, posteriores ao Rambam. Os nomes, Moshe e Avraham, reaparecem, juntamente com Ovadiah novamente. O nome Maimon, não surge mais, porém, dois descendentes do Rambam foram <Naguid>, incluindo o último, David; sem dúvida depois do falecimento de seu irmão, a quem o nome David tinha sido originalmente dado e o qual, o Rambam lamentava muito o falecimento.
Estas são as perguntas que este capítulo responde:
1 - O que sabemos de fato, sobre o irmão do Rambam e descendentes?
2 - Quais posições os descendentes dele tiveram no Egito?
3 - Quais os escritos conhecidos ou, quais obras eles inspiraram ou compuseram?
4 - Eles foram racionalistas como o Rambam?
O IRMÃO DO RAMBAM
O amado irmão do Rambam, David, mencionado em outro livro, era alguém dedicado ao comércio; enquanto o Rambam, dedicava-se ao estudo. Assim que a família chegou no Egito, depois de ter escapado da perseguição na Espanha e no Marrocos, David faleceu quando o barco no qual estava, afundou no Oceano Índico. Ele tinha todo o capital da família consigo quando isso ocorreu. A perda do irmão doeu muito no Rambam, e seu sofrimento persistiu por anos. Ele descreve a dor numa carta a seu amigo, Iafet, anos depois da catástrofe:
O pior dos males caiu sobre mim. Sua filha pequena e viúva, foram deixadas comigo. Por um ano inteiro, estive deitado, com febre e desespero. Muitos anos se passaram sobre mim, mas eu ainda estou de luto; pois não há consolação. Ele cresceu sob os meus joelhos, ele era meu irmão, meu aluno; ele saiu para negociar, para que eu pudesse ficar em casa e continuar meus estudos. Ele era versado em Talmud e no Tana'h, e era um bom gramático. Uma das minhas alegrias era vê-lo. Aonde quer que eu encontrasse, algo escrito com sua letra, ou um dos livros dele; meu coração se movia dentro de mim, e minha dor ressurgia. Eu deveria ter morrido na minha aflição, mas sobrevivi por causa da Torá - que é meu deleite - e por causa da Filosofia - por meio da qual pude esquecer minha dor.
[Yellin and Abrahams, Maimonides, 66-67]
OS DESCENDENTES DO RAMBAM
AVRAHAM
Avraham teve dois filhos, David (1212-1300), que serviu como <Naguid> por sessenta e dois anos, depois do falecimento do pai. E Ovadiah (1228-1265).
David experimentou perseguições durante seu ofício. Na época em que a liderança do Egito desejava impôr uma lei, para que todo habitante egípcio fosse Muçulmano, algo que havia ocorrido na época do Rambam e de seu pai, Maimon. David foi capaz de preservar a comunidade judaica Egípcia, por meio de um exorbitante suborno. O renomado sábio espanhol, Shlomo ben-Aderet (conhecido como, o Rashba, 1235-1310) elogiou David por seu conhecimento e piedade, auxiliando ele, na arrecadação de fundos para o suborno.
E estes não foram os únicos problemas. Assim como seu pai e avô, Avraham e o Rambam; uma pessoa - desconhecida para nós - mentiu ao Governo da época, sobre David. O Governo então, retirou ele de sua posição - <Naguid> - e colocou outro em seu lugar. David então, se mudou para Israel.
Enquanto esteve por lá, ele passou um tempo defendendo seu avô - o Rambam - contra aqueles que desejavam banir seus livros e, ao que parece, foi bem-sucedido em acalmar a controvérsia. Alguns anos depois, ele pode retornar ao Egito e, acabou assumindo novamente o posto de <Naguid>.
David foi autor de um volume do Midrash sobre a Torá, e um comentário do Pirkei Avot.
O irmão de Ovadia, que viveu por aproximadamente trinta e sete anos, foi autor de livros sobre a Torá, Mishlei, Kohelet e o Talmud. Ele também teria sido autor de uma composição dedicada a seu filho, Avraham.
David foi sepultado em Tiveriah, em Israel; não no Egito, a cidade aonde o Rambam foi sepultado. Sua tumba menciona que, ele era o neto do Rambam, mas não há menção de seu pai - não se sabe o motivo.
AVRAHAM II
David teve quatro filhos, Avraham (1246-1310), Shlomo, Itzhak e Iáacov. Não sabemos das datas de falecimento dos três últimos. Se sabe porém, que nasceram em 1248, 1261 e 1277 respectivamente.
Avraham serviu como <Naguid> após o falecimento de seu pai. Tanto Avraham como seu irmão, Shlomo foram elogiados durante suas vidas, como sábios e piedosos.
IEHOSHUA
Avraham teve três filhos, Moshe (nascido em 1290), Ovadiah (nascido em 1297) e Iehoshua (1310-1355). Sabemos pouco sobre seus filhos mais velhos. Iehoshua foi o <Naguid> depois de seu pai. Muitos judeus enviaram-lhe perguntas, pedindo explicações da obra do Rambam.
DAVID II
O filho de Iehoshua, David, foi o <Naguid> depois do pai. Suas datas, de nascimento e falecimento não são conhecidas, bem como sua vida. Por alguma razão desconhecida, ele deixou a posição de <Naguid> e abandonou o Egito.
Ele teria se estabelecido em Daméssek, aonde teria sido ativo numa comunidade judaica ali, e teria sido intitulado "o Mordehai de nossos dias", se referindo é claro ao personagem, Mordehai do livro de Ester, que ajuda a comunidade judaica. Ele teria sido autor de vários livros. Teria sido ele também, que organizou a publicação de livro do Rambam, e de seu filho Avraham na época. Ele teria encorajado Iossef Tov Elam (o Bonfils) a compor o supra-comentário sobre Ibn Ezra.
[Margoliot's Commentary on Abraham Maimonides' Milchamot HaShem, 42-44]
A obra de Bonfils - Sefer Tzafnat Panea'h - é um dos mais celebrados comentários sobre Ibn Ezra.
RESUMO
O Rambam não teve paralelo dentro da história do Judaísmo e, nem mesmo na própria família. Seus ancestrais e descendentes, foram até figuras respeitadas e piedosas, nas sete gerações antes e depois dele; somando treze gerações com ele - mas, nenhum deles foi filósofo ou sequer, racionalista de fato.
Os descendentes do Rambam, foram capazes de manter a posição de <Naguid> por cinco gerações após ele. Eles foram líderes políticos e religiosos no Egito e, muitos judeus de outros países, os procuravam pedindo ajuda e orientação religiosa. Foram autores de livros religiosos, obras sobre ética, e comentários do Tana'h; e encorajavam o estudo. Foram indivíduos de dar orgulho a pais "judaicos".
Porém, apesar do devido louvor pelo conhecimento, piedade e observância dos rituais judaicos, não há qualquer indício de que, quaisquer membros da família do Rambam tenham sido pensadores racionalistas, como ele.
Iossef Ibn Caspi, que tinha o orgulho de ser seguidor do Rambam, lembra em seu Yoreh Deah, que ele viu a terceira e a quarta geração do grande sábio, mas se decepcionou:
"Todos eles foram justos, mas nenhum deles se devotou a ciência"
[Abrahams, Hebrew Ethical Wills, 1: 127 - 161]
Yellin e Abrahams, concluíram seus filhos, destacando a singularidade do Rambam:
"Maimônides ensinou seus compatriotas a pensar; mostrou a eles como viver... Ele plantou um ideal, e ganhou a recompensa mais preciosa, quando ele se tornou o ideal de muitos, guiando-os sempre adiante, a uma concepção mais elevada de Deus, e do lugar do ser humano no universo".
[Maimonides, 217-218]
Enquanto seus predecessores e descendentes, realizavam muitas coisas, esta alegação não pode ser feita em relação ao pensamento deles.
Capítulo 10
As esposas do Rambam
O Rambam, aparentemente teve duas esposas. A palavra “aparentemente” é necessário, pois o Rambam não nos conta sobre suas esposas, nem mesmo nos diz seus nomes.
Ele provavelmente se casou com a primeira, em algum momento durante sua juventude e, pode ser que tenha falecido durante o começo do seu casamento, sem lhe deixar filhos. O Rambam escreve a seu aluno, Iossef Ibn Aknin que “a pequena filha faleceu”, mas muitos acadêmicos acreditam que a falecida, era a filha de seu irmão David, que ele havia adotado após a morte de seu irmão.
Ele teria se casado uma segunda vez no Egito, desta vez com a irmã de Abin-Almali, um secretário da realeza que assegurou a ele, a posição de médico da corte. Abin-Almali então, se casa com a irmã do Rambam e, eles se tornam duplamente relacionados. O Rambam não teve filhos, até a idade de 48 anos, quando Avraham nasceu.
Questionamento que este capítulo responde:
- Todos os rabinos talmúdicos mantiveram uma visão parecida sobre mulheres?
- O que o Rambam dizia sobre mulheres?
- Qual era a visão de Aristóteles?
- Qual era a causa de tais atitudes, da parte dos estudiosos?
As diferentes visões dos rabinos sobre a mulher
Não há uma fonte tradição judaica que tenha uma opinião católica sobre o valor da mulher. Povos tem atitudes similares, não importa qual seja a religião e, sempre existiram pessoas sensíveis que eram mais propensos a compreender a humanidade da mulher, a necessidade do respeito e da consideração. E infelizmente, existiram aqueles que externavam seus preconceitos ou pensamentos autoritários, inferiorizando mulheres.
A Torá menciona grandes realizações de algumas mulheres. Fala das Matriarcas, Sarah, Rivka e Leah, bem como a irmã de Moshe, Miriam e a juíza, Devorah. Sete mulheres foram profetizas e tiveram seus nomes nomeados, além das que foram mencionadas: Hanah, Avgail, Hulda e Ester. Uma opinião no Talmud, considera Sarah uma profetiza superior a Avraham; do mesmo modo que, Havá, a esposa de Adam, seria superior a ele, em inteligência e conhecimento.
Algumas pessoas veem tais descrições como exemplos de mulheres em geral. Outro grupo, vê tais episódios como exceções, em relação a natureza geral do feminino. O Talmud contém opiniões de todos os grupos.
O Talmud Bavli, tratado de Sotah 20a por exemplo, menciona sentimentos contraditórios sobre o tema, nos dois primeiros séculos da era comum. O tema em pauta, era se as filhas deveriam receber educação de Torá.
Ben-Azai disse: O homem deve ensinar Torá a sua filha, de modo que, se ela beber [isto é, agir] ela saberá que seu mérito poderá suspender sua punição [isto é, ela saberá o modo adequado de agir]. O Rabino Eliezer disse: Todo aquele que ensina Torá a sua filha, ensina luxúria a ela [isto é, o que ela aprender, será mal utilizado].
[Ben-Azai era um daqueles rabinos que se expressavam de modo críptico. Outros comentaristas, entendem suas palavras, como uma referência ao rito de se beber as águas amargas da Sotah, mencionado em Bamidbar 5: 11]
É tido como insignificante que Ben-Azai insistisse – naquela época - que o ensino básico da Torá deveria ser proporcionado para todos os povos, não importando o gênero ou religião, já que todos são iguais perante o Divino. Ele também foi conhecido, por ter declarado que o verso mais importante e significativo da Torá, estaria em Bereshit 5:1 que ensinaria o princípio, “No dia em que o HaShem fez o <Adam>, ele o fez de acordo com a <Tzelem> do Elohim”.
Escritos Maimonideanos sobre Mulheres e Esposas
Na carta do Rambam, dando conselhos a seu filho Avraham, sobre a qual falamos no capítulo anterior, consta:
“reverencie suas esposas, pois elas são a tua glória. Mas, não as poupe de castigo moral, e não permita que dominem sobre você. A distinção delas deve estar dentro de casa, menos visível e menos daninho. Seja cuidadoso e não revelar a elas, todos os teus segredos”.
Já vimos que, é improvável que a carta fosse mesmo do Rambam. Mas, esta opinião negativa sobre a mulher, reflete tanto a opinião do Rambam como da geração dele sobre isso. Não é de se surpreender que o Rambam não tenha deixado detalhes, sobre a convivência com suas esposas.
O Rambam também expressou ideias assim, no Guia dos Perplexos e no Mishné Torá.
No Guia – Tomo 3 capítulo 48 – ele escreve que:
“mulheres são facilmente irritáveis, devido a sua grande sensibilidade e, fraqueza mental”.
Portanto, ele diz, a lei dá ao marido o controle sobre os votos por ela realizados, pois “seus votos, se estivessem totalmente sob seu controle, causariam angústia, brigas e desordem na família”.
Em seus escritos médicos, ele escreve que uma mulher não poderia ser ambidestra, pois pessoas ambidestras teriam que ter, nervos fortes, algo que faltaria em mulheres.
Como um homem tão sábio, pôde estar tão equivocado sobre a mulher?
O Rambam não fez uma avaliação única sobre a mulher. Aristóteles antes dele, e de quem o Rambam e incontáveis outros pensadores aprenderam, colocava a mulher numa luz muito negativa.
O Rambam até menciona Aristóteles frequentemente, em seu Guia dos Perplexos, em geral, elogiando ele e firmando estar de acordo com o Filósofo Grego em muitos pontos. Em sua carta a seu tradutor, Shmuel Ibn Tibon, o Rambam diz, “Aristóteles alcançou o mais alto nível do conhecimento possível a um ser humano”.
Se por um lado o Rambam concordava com Ben-Azai, em sua declaração sobre os povos, sentindo que todos os homens, de todas as origens, deveriam ser respeitados; ele não demonstra ter aceito a posição do mesmo Ben-Azai, sobre as mulheres. A ignorância do Rambam sobre a humanidade feminina é algo surpreendente?
Uma análise da noção errônea de Aristóteles sobre a mulher
O Dr Robert Mayhew, professor do departamento de Filosofia da Universidade Seton Hall (uma “PUC”, de Nova Jersey) e, membro do Anthem Foundation do Instituto Ayn Rand para objetivismo acadêmico; especialista em Filosofia Antiga, é autor do The Female in Aristotle’s Biology [O feminino na biologia de Aristóteles], publicado em 2004.
Ele mostra que Aristóteles não eram apenas um grande filósofo mas, aquilo que poderíamos considerar um cientista cuidadoso. Ele não meramente especulava sobre pessoas, animais, sociedade, objetos e leis naturais. Ele procurava examinar tudo isso com cuidado, antes de se pronunciar.
E mesmo assim, para surpresa de leitores pós modernos, ele disse que as mulheres eram fisicamente inferiores aos homens, teriam ossos mais moles, cérebros menores, sangue mais frio e menos dentes.
Seus ovos gerativos, seriam passivos durante a gestação, pois seria o esperma que seria o elemento ativo. Elas seriam mais impetuosas e emotivas do que homens, e menos capazes de suportar dores e desconforto…Elas são seriam corajosas e espirituosas como os homens, e seriam análogas a um castrado, ou eunuco. Elas seriam incapazes de controlas seus apetites. Elas teriam a tendência a conspirar, a desonestidade e a ser irritadiças.
[Mayhew, The Female in Aristotle’s Biology, 114-115]
O que tais declarações significam?
Mayhew esclarece que, os erros de Aristóteles eram inevitáveis, pois se baseavam nas limitações do conhecimento e do estado de consciência da época em que ele viveu. Os antigos careciam dos equipamentos e metodologias que temos para suas investigações científicas. Eles não tinham o rigor que temos, na coleta e análise dos dados. Aristóteles dependia “não apenas, das observações empíricas, quando escrevia sobre organismos vivos, mas também da especulação”, e suposições filosóficas incorretas.
Aristóteles não advogava por um status inferior da mulher. Se ele tivesse tido acesso ao aparato científico disponível hoje, ele teria expresso outra opinião. Ele apenas estava ecoando os entendimentos da sua geração.
A atitude do Rambam sobre a mulher, foi baseada nos mesmos fatores. Os antigos forçavam as mulheres a posições sociais inferiores, negando a elas educação, isolando-as em casa e, como resultado, tinham nisso “a confirmação” de que eram, intelectualmente inferiores.
Resumo
Não sabemos muito sobre as visões das esposas do Rambam. Provavelmente porque ele não tinha sensibilidade suficiente para reconhecer seu valor, e contribuições sociais. Então, quando ele menciona a perca de uma filha, ficamos incapazes de saber se era dele ou de seu irmão. Ele refletia a atitude dos antigos, que não permitiam as mulheres o desenvolvimento de suas mentes e personalidades, e uma participação igualitária na sociedade e, portanto, acabavam considerando-as inferiores. Ele, como Aristóteles antes dele e muitos outros homens inteligentes do mundo antigo, foi incapaz de ter a percepção do enorme potencial de metade da humanidade.
Esta visão errônea contribuiu para sua perpetuação, e o problema persiste até hoje. Existem pessoas demais que, ao estudarem o Rambam sem o senso crítico e sem a racionalidade que ele mesmo ensinava exercer, repetem como se fosse sabedoria os erros por ele cometido, algo que ele mesmo ensinou não fazer. Ao contrário, ele diz que qualquer erro encontrado em suas obras, deveria ser corrigido. O Rambam repete as ideias de que, mulheres não eram consideradas como pessoas como sentido pleno, e por isso não deveriam ser contadas num <Minian>, um quórum, nem ter participação religiosa e portanto, social.
Se o Rambam estivesse vivo hoje, com tudo o que sabemos sobre sua forma de buscar conhecimento, raciocínio e senso crítico, não resta a menor dúvida que, ele seria o exato oposto do que foi em sua época. Seria um ativista pelos direitos das mulheres. Sabemos isso, pois, esta postura é racional, lúcida e de acordo com o saber científico, com a ética e com a moralidade que supera os erros da Idade Média e do mundo antigo.
Não se pode usar os erros do mundo antigo, para construir no Rambam uma personalidade intolerante. O que quer que ele tenha escrito sobre as necessidades humanas, e sobre a obrigação do desenvolvimento humano, ele inclui nisso até não judeus – coisa que religiosos não fazem, até hoje! Ele frequentemente menciona o Adam, não como figura ligada a história específica dos israelitas mas, com todos os povos.
E de fato, seu pensador favorito era Aristóteles. Alguém que religiosos apenas consideram como um “pagão” ou um “goy” desprezível.
Tal qual Aristóteles, ele também tinha concepções equivocadas sobre muitas coisas e, teve ideias errôneas sobre as mulheres; devido ao primitivismo de seu pensamento sobre a sociedade, sua ignorância e noções preconcebidas, populares em seu tempo.
Capítulo 11 - PARTE 2 do livro - Os Escritos do Rambam - Seu Código Jurídico
PARTE DOIS
TEXTOS MAIMONIDEANOS
Tendo realizado a introdução ao Rambam e sua família, agora o livro se volta as obras e ideias que o Rambam produziu.
Falaremos sobre o código jurídico do Rambam, seus textos médicos. E ao final da seção, faremos uma observação dos conceitos Maimonideanos e, sua aplicação.
Textos haláhicos e médicos
Voltando nossa atenção aos trabalhos haláhicos e médicos do Rambam, vemos que ele aplicava seu entendimento, de que as pessoas necessitam de estudo, entendimento, e uso do conhecimento obtido – sem dependência – de modo tal que, as pessoas ficavam surpresas.
Duas questões básicas surgem nesta análise:
Por qual motivo os rabinos sentira a necessidade de escrever outros códigos haláhicos, se já tinham o trabalho do Rambam?
Os escritos médicos do Rambam, possuem direcionamentos que sejam relevantes atualmente?
O CÓDIGO DA LEI JUDAICA DO RAMBAM
Não é segredo que o código da lei judaica mais utilizado, é o Shul’han Aru’h. Então, podemos perguntar: Por qual motivo o Shul’han Aru’h é mais popular que o Mishneh Torá do Rambam?
A coletânea de 14 tomos do Rambam, chamada Mishneh Torá é o código da lei judaica mais bem organizado, compreensível e de fácil leitura; tal qual jamais foi produzido na História do Judaísmo.
Não é surpresa que, os 14 tomos de seu código, tenham sido elaborados com tamanha destreza que, somem exatamente 1000 capítulos.
Porém, cerca de um século após seu falecimento, outro Espanhol, o rabino Iáacov Ben-Asher (1270-1340, mais conhecido como “o Ba’al HaTurim”) foi autor de uma trabalho em quatro tomos sobre a lei judaica, que ele intitulou TUR – no plural então, TURIM.
E novamente, cerca de um século depois, outro rabino Espanhol, Iossef Karo (1488-1575), compilou seu livro de leis judaicas, dando a ele o nome de Shul’han Aru’h.
Depois da publicação desta coletânea surgiram várias mas, o Shul’han Aru’h, em versões com comentários de rabinos Poloneses como Moshe Iesserles (1535-1572, conhecido como, “o Ramah”) tornou-se a favorita, nas comunidades religiosas.
Os nomes dos diferentes compendiums revelam algo sobre a clareza e a organização dos códigos. O Rambam deu a seu trabalho o título de Mishneh Torá, “a segunda, em relação a Torá” ou “Segunda Torá”, sugerindo sem dúvida alguma, que sua obra era um suplemento para a Torá.
Iáacov ben-Asher, deu ao nome de sua obra “TUR” ou Coluna, referindo-se as 4 colunas frontais do Templo. Por isso, outro título da obra é “Arba’ah Turim” ou “as quatro colunas”, e o apelido dele ser “Ba’al HaTurim” ou, “o autor dos Turim”.
Iossef Karo deu a sua obra o título de Shul’han Aru’h, uma mesa posta ou uma mesa arrumada. E Moshe Isserles deu a seu comentário, o título de Mapah, ou “toalha de mesa”.
O Rambam intitulou seu código e suas obras individuais, baseado no conteúdo.
Dentro do Mishneh Torá existem Tomos, como “Leis sobre Avodá Zará” e “Leis dos Reis e suas Guerras”, que deixam bem claro sobre o que se trata.
Mas, Iáacov Ben-Asher optou por títulos mais poéticos e menos informativos, como Hoshen Mishpat (o peitoral da justiça), que lida com as leis de danos, procedimentos legais, empréstimos e juros. E ele chamou de Even Ha’Ezer (a pedra angular), o tomo de lida com as leis de casamento.
Estes títulos, mesmo que um tanto obscuros, viraram “moda” e, outros códigos passaram a usar estes mesmos títulos, quando estavam discutindo sobre aquelas leis. Apesar da abordagem do Rambam ser claramente, mais direta e racional, os outros códigos foram – por razões que serão discutidas – mais usados pelo público.
Questionamentos que este capítulo procura responder
Por qual motivo Iáacov ben-Asher e outros codificadores, decidiram escrever seus próprios códigos?
Por qual motivo a população judaica geral, preferiu os códigos posteriores?
Quais seriam alguns exemplos do conteúdo que demonstrem, o contraste entre o código do Rambam e os outros códigos posteriores?
OS PROBLEMAS DO MISHNEH TORÁ
Um código jurídico, por definição, deve apresentar a legislação de modo claro, preciso e organizado de tal modo, que jurista e até a população, pode ver qual é o comportamento normativo e, qual foi desaprovado. Um código jurídico não deve ser um volume de discursos que, contenham leis e, seu desenvolvimento histórico ou, uma discussão legislativa das diferentes opiniões sobre uma determinada lei.
O Rambam, enquanto alguém que lia muito, estava familiarizado com o código de leis islâmicas, bem como com livros jurídicos de outras nações. Ele conhecia os estilos. Ele reconhecia também, a lógica nos argumentos, a clareza que era necessária e, o método organizado de se apresentar o determinado, de modo conciso e direto, um método que continua em uso por quase todas as culturas, até hoje. Ele escreveu seu código neste padrão, focado nas necessidades dos juristas, bem como da população em geral.
Ao fazer isso, o Rambam alterou a apresentação tradicional da lei judaica.
O método convencional de se abordar aquilo que era considerado Halahico, isto é relacionado a lei judaica normativa, era considerar a opinião de todos os rabinos, sobre um determinado assunto em discussão. De fato, tanto a Mishná (do século III) do Talmud Bavli, quanto a do Talmud Ierushalmi, apresentam variadas visões sobre assuntos diversos, sem na verdade dizer, qual é a decisão final. O foco principal destas obras, é a discussão, não a decisão.
O método talmúdico tem vantagens. Ele ajuda a afiar a mente do aluno, e estabelece visões que, apesar de não serem absolutas, levam em consideração as mudanças nas situações. Entretanto, este método falha obviamente em apresentar com clareza, declarações finais da lei, que possam ser de fácil acesso a juristas e ao público.
Na verdade, o estilo discursivo e, o espalhamento do assunto de modo não sistemático por vários tratados talmúdicos, impede que qualquer pessoa que não seja absoluto especialista, de usá-lo para tomar decisões.
O mestre do pai do Rambam, que também foi seu professor, Ibn Migash, aprendeu sobre a tradição de Itzhak Ben-Iáacov Alfassi, que havia composto um comentário conciso do Talmud, em 24 volumes, intitulado Sefer Ha’halahot. Em seu trabalho, ele removeu a maior parte dos materiais homiléticos e não haláhicos, as discussões sobre decisões e discordâncias dos sábios, deixando as decisões finais de certo modo, mais compreensíveis que as obras anteriores. Entretanto, o trabalho de Alfassi continuava muito “talmúdico”. Embora ele resumisse a discussão das páginas, ele retinha a linguagem talmúdica, que é confusa ao não iniciado. A maior parte dos leitores, não se punha contrário a remoção das discussões rabínicas dos vários temas e leis.
O Rambam, similarmente, organizou seu código de um modo tal, que não incluiu nenhuma das opiniões conflitantes, e omitiu as fontes de cada e toda decisão. Ele foi mais longe de Alfassi. Ele coletou todas as informações haláhicas relevantes, dos vários tratados sobre o mesmo assunto, por todos os 74 Tomos do Talmud.
Apesar disso, alguns rabinos achavam necessário ainda, mencionar as fontes das discussões e indicação das fontes destas discussões.
Asher Ben-Iehiel (1259-1328), conhecido como Asheri, ou Rosh – por exemplo – se incomodou muito com a ausência da menção das opiniões conflitantes, e com certa arrogância – é inevitável dizer, palavras do Drazin mas concordo – desprezou o código jurídico do Rambam, nos termos: “ele escreve seu livro, como se estivesse profetizando”.
[Sheelot U’teshuvot HaRosh, 31: 9]
Mas, apesar destes protestos, os códigos pós-maimonideanos, nunca dispensaram totalmente as visões do Rambam. Isto se tornou impossível – não que, não tivesse a vontade para isso, mas – a sabedoria e o conhecimento do Rambam, na área da Halahá era simplesmente, inquestionável.
Deste modo, Iáacov Ben-Asher tomou a abordagem de que, ele faria uma decisão haláhica, baseado na consideração de três “gigantes”: Seu pai, Asher ben-Iehiel (mencionado antes), Alfassi (mencionado anteriormente) e o Rambam.
Quando Iossef Karo escreveu seu código, ele considerou estes “três gigantes”, e também Iáacov ben-Asher e Moshe Isserles, que foi o comentarista do seu trabalho, complementando-o com os costumes Poloneses, não praticados na Espanha.
O REAL MOTIVO PARA OS NOVOS CÓDIGOS
A omissão das discussões rabínicas e fontes das leis, foi apenas um dos motivos pelos quais os rabinos posteriores sentiram que deveriam escrever seus próprios códigos.
Isto é óbvio por que, se estas omissões fossem o único motivo do real incômodo dos rabinos que compuseram seus novos códigos, eles ficariam satisfeitos em simplesmente, adicionar comentários com as fontes ausentes e, com as visões opostas.
Então, apesar de ter sido uma das razões, a real motivação – muito provavelmente – era a inabilidade de lidar de modo não racional, com o racionalismo Maimonideano, em sua recusa de incluir práticas supersticiosas, conduta baseada em crenças mágicas, uso de simpatias, citação de fontes místicas e outros comportamentos irracionais, que eram tão queridos àquela altura nas comunidades judaicas, tal qual são até hoje, incluindo a maioria dos rabinos do passado e do presente.
REGRAS IRRACIONAIS NOS NOVOS CÓDIGOS: CASAMENTOS
Medo da vida, anseios por desejos ou convicção de que, se pode controlar com mágica os eventos, são meios inconscientes que levam muitas pessoas – até hoje – ao uso de simpatias, realização de ritos mágicos e supersticiosos. A cabalá se tornou popular, por ganhar recursos, explorando tais características da mente humana.
Então, não é surpresa nenhuma que, nas cerimônias de casamento, por exemplo, uma época em que o casal deveria considerar a realidade da vida, e se preparar para assumir total controle sobre seu presente, na construção de seu futuro; seria o momento por excelência de pensar racionalmente. Mas, tal momento foi invadido por uma enxurrada de concepções supersticiosas e mágicas.
Os códigos jurídicos pós-maimonideanos codificaram e transformaram “em lei judaica”, as crenças em magia que o texto da Torá, proíbe.
O Shul’han Aru’h – Ioreh Deah 179: 2 é um texto que contém as práticas da antiga Comunidade Sefaradi (Espanha, Norte da África e Israelita), declara que, os homens devem se casar durante a lua cheia.
E Moshe Isserles, que escreveu sobre a antiga Comunidade Ashkenazi (Alemanha e Europa Ocidental) disse que, a prática em seu país era que os homens, se casassem no começo do mês lunar, quando a lua estivesse ainda aumentando.
Este procedimento, não tem qualquer base no Talmud, ou na literatura dos Gueonim. E obviamente, não é mencionado no Mishneh Torá.
O Rashba (ben-Aderet) curiosamente, defende a superstição, contra aqueles que a ridicularizavam, dizendo:
“não é divinação, mas como os reis recebiam águas, para que seus reinos prosperassem e crescessem, de modo parecido, [o casamento] é realizado com a lua [cheia], não quando está minguando, e isto é um bom sinal...não superstição”.
[Darkei Ha’Amori]
O Rashba escreveu que o Nahmanides também aconselhava, que as pessoas se casassem num período lunar apropriado.
E práticas supersticiosas, embora ausentes no Código Jurídico do Rambam, foram adicionadas por outras pessoas, posteriormente.
POR QUAL MOTIVO OS RABINOS USAVAM TÍTULOS SIMBÓLICOS?
Só se pode imaginar o motivo dos rabinos pós-maimonideanos usarem títulos obscuros, e as vezes até incompreensíveis, como títulos para seus códigos. Drazin nos provê duas perspectivas sobre isso.
Primeiro, eles não compreenderam plenamente o objetivo do Rambam, ao apresentar seu código de um modo acessível, tanto ao jurista quanto ao leigo.
Eles apenas escreviam a seus colegas rabinos, e por isso usavam linguagem e expressões idiomáticas que a maior parte das pessoas, não tinha familiaridade.
[Hoje, este “elitismo” é mantido por exemplo, com o uso de expressões ou “sotaque” Iídiche mesmo que a pessoa, nem use este dialeto como língua. Serve apenas para que o público se sinta “inferior”, e assim “submisso” ao que está sendo dito.]
Em segundo lugar, o costume na época, era usar um estilo que o Rambam não aprovava, usando floreios e linguagem poética. A poesia, naquela época, era uma espécie de demonstração de erudição do escritor.
Esta abordagem afetava, não só seus nomes mas, os títulos de seus textos tanto naquele momento, como posteriormente.
SUMÁRIO
Ter uma postura racional num mundo irracional, pode trazer desvantagens, especialmente quando o mundo está comprometido em acreditar e aplicar práticas irracionais.
Assim, o código do Rambam – que era de longe, o mais racional de todos os códigos judaicos, quer em estilo, linguagem e conteúdo – sendo de fácil leitura e entendimento, e apesar de os rabinos, na maior parte, reconhecerem que continha a verdade haláhica; acharam que, deveriam incorporar da sua leitura do Judaísmo, os folclores, as superstições e crenças místicas e mágicas, dado que tanto eles acreditavam na eficácia de tais práticas e, mesmo quando raramente este não era o caso, tais práticas se tornaram populares e eles não tinham – e não tem – coragem para confrontar a população, pós-fato.
Este tem sido até então, o único modo “bem-sucedido” por assim dizer, de se lidar com a humanidade. As pessoas apenas podem ser ensinadas dentro de seus níveis [intelectuais]. É impossível transformar as opiniões e práticas da população geral, repentinamente, por ordem ou mesmo, por persuasão.
MAIS EXEMPLOS
Superstições nos códigos “jurídicos” judaicos
Vimos um exemplo de superstições, perpetuadas como “Torá” nos códigos posteriores ao Rambam. O rabino Drazin nos trouxe mais alguns exemplos, dentre muitos, que tipificam os comportamentos irracionais motivados e defendidos por tais códigos.
A PRIMAZIA DO LADO DIREITO SOBRE O LADO ESQUERDO
Como as pessoas devem começar o seu dia, para garantirem que terão sucesso?
O Rambam começa seu código, com ensinamentos sobre a Divindade e a necessidade de adquirir conhecimento.
Os códigos pós-maimonideanos, por outro lado, instruem as pessoas para que coloquem seus sapatos direitos primeiros, sem amarrar. E em seguida, o sapato esquerdo. E então, que amarrassem o direito, e depois o esquerdo.
Moshe Isserles disse que, em seu país, aonde os sapatos não tinham cadarços, as pessoas deveriam então colocar o pé direito primeiro.
O comentário, Sha’arei Teshuvá, declara que, se os canhotos, deveriam inverter o procedimento.
O comentário Maguem Avraham declara que, quando as pessoas lavam as mãos, devem lavar primeiro a mão direita.
As “explicações” que são em geral aceitas, para este tipo de comportamento, é dizer que o dedão direito, das mãos e dos pés, eram importantes (dentro de específicos rituais do Templo) mas, o braço esquerdo, que seria insignificante, ganha importância porque seria onde os <Tefilin> (chamados, filactérios) são colocados; tornando assim, tanto o lado esquerdo quanto o direito, “dignos de respeito”.
Esta explicação é problemática.
De acordo com esta narrativa, a mão direita tem importância prática e, a esquerda teria importância “espiritual”.
Dado que o Shul’han Aru’h sempre enfatiza o “espiritual” é na verdade, estranho que a mão direita receba precedência, e que o pé direito (ou o esquerdo para quem for canhoto) seja considerado mais importante. Além disso, se é no braço esquerdo que o Tefilin é recebido, então a mão esquerda deveria ser levada primeiro.
Portanto, é claro que a mão direita recebe precedência, porque as nações da antiguidade, tinham como uma de suas superstições dar prioridade aos destros, e tinham fortes preconceitos contra pessoas canhotas.
E de fato, até recentemente (historicamente falando), muitos pais que vissem os filhos, naturalmente usando a mão esquerda para atividades como escrita, forçava-os a usarem a outra mão. Não raro isso resultava em danos psicológicos graves.
É por este motivo totalmente fictício e imaginário, que os antigos acreditaram que sempre se deveria começar atividades com o lado direito, incluindo o caminhar e, a propósito, sempre se virar à direita, quando possível. Eles pensavam que, este ato humano, afetaria alguma “força” – mágica – que daria algum resultado em seus atos. E Judeus foram influenciados por tais superstições, adotando muitas práticas e, depois “transformando” tais ilusões em “leis judaicas”.
O Rambam por sua vez, chega até a mencionar a ideia de “preferência” da mão direita sobre a mão esquerda, no Mishneh Torá, Hil’hot Bet Habehirah 7: 2; mas, ele simplesmente não recomenda nenhuma prática supersticiosa. Ele diz apenas, que as pessoas precisam externar respeito, ao local do antigo Templo, mesmo que ele não exista mais.
Portanto, os povos por exemplo, deveria entrar no local do lado direito, para que outros povos os vissem e soubesse que, não estão com problemas. Aqueles que tivessem problemas – por exemplo, se estivessem enlutados – deveria se aproximar pelo lado esquerdo. Deste modo, embora ele não diga, as pessoas deveriam também notar, que quando se aproximam de um indivíduo de luto para consolá-lo, devem seguir um modelo parecido.
DORMIR
O Shul’han Aru’h – Ora’h Haim 3: 6 ordena: “É proibido dormir numa cama, que esteja na direção leste – oeste, se sua esposa está junto” [ou seja, ter relações sexuais] “e o adequado, é ser cuidadoso” [de não fazer isso] “mesmo se sua esposa, não estiver com ele”.
O comentário do Maguen Avraham, usa como referência o Zohar e diz que, há um motivo místico para isto. O autor do Shul’han Aru’h, e muitos outros não racionalistas, estavam convencidos de que a Presença Divina, não era uma percepção da Divindade mas, era uma “entidade” propriamente dita.
(algo parecido com a ideia de “pessoa”, no Cristianismo, a “pessoa” do pai, do filho e do espírito santo, onde cada um é uma “entidade”)
Portanto, o comentário Maguen David “explica” que, dado que a Presença divina “mora” do oeste, é proibido para a pessoa virar seu rosto, ou seja, dar as costas para a Presença divina, especialmente durante o ato sexual.
No Mishné Torá, Hil’hot Bet Habehirah 7: 8, o Rambam diz que não se deveria dormir, ou usar o banheiro de frente para o oeste, mas elucida que, esta era uma das muitas formas pelas quais, os Judeus lembravam do antigo Templo com respeito: posto que, o local chamado Kodesh HaKodashim, fica no lado oeste do Templo. Daí se concluiu que seria adequado se abster destas atividades, nesta direção.
LAVAR AS MÃOS
O Shul’han Aru’h – Ora’h Haim 4: 2 ordena a uma pessoa, que faça ablução de suas mãos, três vezes com água, pela manhã. Isso tem o objetivo de “remover um espírito demoníaco que está nelas”.
O comentário do Be’er Heitev explica que, não é suficiente abluir as mãos uma vez, mesmo que derrame uma grande quantidade de água, por causa do problema da presença desse tal espírito do mal, só poderia ser resolvido usando o número mágico: 3.
Caso se duvide que crença no mau espírito não seria literal, o Ora’h Haim 4: 8 reitera que, esta água se torna perigosa, e não pode nem ser derramada no chão. Em vez disso, adverte que a água deve ser colocada num utensílio, pois se for jogada no chão, o espírito demoníaco pode contaminar a casa.
O Ora’h Haim 4: 9 complementa que, a água deve ser derramada longe de locais aonde as pessoas vivem. E como no caso dos sapatos, 4: 10 exige que a pessoa que fez a lavagem, pegue o utensílio com água com a mão direita e passe para a esquerda. Do mesmo modo, para lavar as mãos, pega-se o utensílio com a mão direita, se passa para a esquerda para que a direita seja lavada primeiro.
HÁBITOS AO BANHEIRO
O Shul’han Aru’h – Ora’h Haim 3: 10 proíbe, que ao terminar de se aliviar no banheiro, a pessoa se higienize com a mão direita.
Os comentaristas explicam que a mão direita não deve ser usada, pois é usada para apontar para a Torá (na leitura pública, feita na Sinagoga) e, também porque a Divindade deu a Torá “com sua mão direita”.
O Rambam – devemos lembrar – abominava esta ideia equivocada, de que a Divindade teria um corpo físico, incluindo “uma mão direita”.
O Shul’han Aru’h – Ora’h Haim 3: 11 também ordena que, “a pessoa não deve se limpar com utensílios de terra, por causa da bruxaria”.
Esta regra não foi instituída “por razões de segurança”, para a pessoa evitar se machucar mas, foi baseada numa superstição mencionada no Talmud – Shabat 82a, aonde se fala da crença de uma mulher má seria incapaz de causar dano aos rabinos, porque eles não se limpavam com cacos, pois isso os deixariam expostos a bruxaria.
SUPERSTIÇÕES SOBRE O MEDO DE MAU OLHADO
O Shul’han Aru’h o Ora’h Haim 140, proíbe ao pai e filho, ou dois irmãos, que sejam chamados em sequência, para a leitura da Torá; porque isso pode produzir um dano diabólico, chamado “mau-olhado”.
PROTEÇÃO CONTRA DEMÔNIOS
O Shul’han Aru’h – Ora’h Haim 487, “legisla” que o Judeu não deve fazer a reza <Mei’ein Sheva> (uma versão resumida da reza da Amidá), na noite do Pessa’h, pois, a reza foi instituída para proteger os cantos da Sinagoga de demônios; na noite do Pessa’h, o livro completa, que a Divindade protege os Judeus de demônios, daí não seria preciso a reza.
USAR SAL CONTRA DEMÔNIOS
O Shul’han Aru’h – Ora’h Haim 475 declara, que as pessoas devem colocar sal no pão, na hora da refeição, para afugentar demônios, mas completa que isto seria desnecessário no Pessa’h, pois Deus os protegeria neste dia, contra estes demônios.
ASTROLOGIA/DEMÔNIOS QUE PERVERTEM A JUSTIÇA
Em seu comentário a Iáacov ben-Asher, o Shul’han Aru’h – Hoshen Mishpat – Hil’hot Daianim 25, menciona as opiniões de Asher ben-Iehiel, que declara que, as vezes <Mazal> pode perverter justiça.
Não é esclarecido textualmente, o que ele quis dizer com Mazal. Mas, consiste claramente de uma referência a forças demoníacas ou astrológicas. Asher ben_Iehiel declara que, as vezes, o Mazal “gosta” de uma das partes, no caso de um tribunal e, força os juízes a dar ouvidos ao seu caso, e decidir o caso de acordo com a visão que lhe favoreça, mesmo que a lei – quando já não afetada por forças demoníacas – teria decidido no outro sentido.
Capítulo 12 - Os Escritos médicos do Rambam
O Rambam aprendeu a arte da medicina quando ainda era jovem, na época em que viveu na Espanha e no Marrocos. Apenas posteriormente, quando veio ao Egito, é que se tornou necessário para ele praticar a medicina, e usar seu conhecimento para sustentar sua família e a família de seu falecido irmão David.
Este fato, de que ele estudou medicina apenas para saber mais sobre os conhecimentos disponíveis sobre saúde, serve de incentivo a todas as pessoas, não só a médicos, no sentido de se buscar saber mais sobre os conhecimentos disponíveis da área para se preservar ou manter um corpo saudável.
O Rambam mantinha a concepção de que, boa saúde era de importância vital pois, o corpo afeta a habilidade da pessoa de pensar e agir adequadamente. Mesmo o profeta, aquele indivíduo que é o mais avançado nas capacidades do Intelecto Ativo, conforme explica o Rambam, poderia ser incapacitado de sua habilidade por causa da depressão, por exemplo.
Similarmente, o Rambam prossegue, é importante ter uma boa atitude para com a vida. Doutro modo - tal como o Sultão da época do Rambam que passava meses em campanhas militares e, atividades em busca de prazeres; mas carecia de uma atitude positiva perante a vida – a pessoa pode sofrer de constipação, indigestão e picos de melancolia.
De acordo com isso, o Rambam procurava tratar o corpo e a mente. E chegou a compor dez volumes, sobre o que aprendeu em medicina, inserindo parte de seus conselhos médicos em seu trabalho jurídico e filosófico. As pessoas que leram suas obras médicas, encorajavam outros para que lessem também, fossem médicos ou não.
Seus trabalhos médicos cobrem todos os temas considerados relevantes no período, incluindo dentição, doenças oculares, asma, venenos, urologia, geriatria, doenças do tórax, condições cardíacas, dores de cabeça, hemofilia, obstetrícia e especialmente, medicina preventiva.
Um pesquisador versado na área, Dr. Abraham A. Neuman escreveu [na obra, The Jews in Spain] escreveu que os escritos do Rambam tiveram influência profunda sobre seu código de ética, bem como a todas as práticas de médicos judeus em séculos posteriores.
Questionamentos que este capítulo procura responder
1 – A natureza das pessoas mudou de modo que alguns ensinos médicos se tornaram obsoletos?
2 – Quais foram alguns dos conselhos médicos oferecidos pelo Rambam, que ainda são revelantes atualmente?
3 – Quais ensinos médicos do Rambam são irrelevantes atualmente?
A NATUREZA DAS PESSOAS MUDOU?
Uma questão primordial que deve ser trabalhada, antes de se examinar os ensinos do Rambam seria o seguinte:
As pessoas que leem os conselhos médicos contidos no Talmud, confrontam-se com o fato de que muitos – se não, todos – os conceitos, são claramente incorretos, de acordo com os novos conhecimentos obtidos através da ciência moderna.
O Rambam explica que os antigos rabinos, apesar de terem sido sábios, baseavam suas propostas, no entendimento deles da “ciência” [o conhecimento] que havia em sua época.
Dado que a “ciência” que eles usavam, estava incorreta muitas vezes, não é de surpreender que seus ensinos – baseado em tais entendimentos equivocados – estivessem também incorretos.
Entretanto, outros pensaram que o Rambam estava errado em tais observações.
Como – dizem estes – ele poderia sugerir que os piedosos rabinos, se baseariam [no saber de] não judeus, noções [em geral] idólatras, sobre a natureza humana, sobre como o corpo funciona e como pode ser mantido de modo adequado?
Este “protesto” é parecido com a crítica deles, ao fato de o Rambam ter estudado e se baseado na Filosofia Grega.
Em segundo lugar, eles sentiam fortemente que, seria “impossível” que homens santos como os rabinos do Talmud, cometessem erros, por qualquer razão que fosse.
Assim, eles insistem que os rabinos do Talmud estiveram sempre certos. As soluções médicas que eles ofereceram – insistem estes “rabinos” – devem ser verdadeiras. Devem funcionar.
Entretanto, eles prosseguiram dizendo que a natureza humana foi “modificada” durante o último milênio, devido a “mudanças climáticas” e, por causa disso, os remédios prescritos e tratamentos sugeridos pelos rabinos do Talmud, não surtem efeito em pessoas da era moderna.
Pessoas que pensam assim, podem também perceber que muitas das prescrições do Rambam, no século XXI, estão desatualizadas e, suas alegações podem ser que, isto também ocorre por causa das “mudanças climáticas”.
O Rambam, como mencionado antes, rejeitava tais concepções.
Alguns ensinos médicos do Rambam estavam corretos. Outros, simplesmente não estavam, não importando quão sábio ele tenha sido. E mesmo que ele tenha sido capaz de até detectar ensinos antigos como incorretos, ele também não tinha o entendimento avançado, como o da medicina pós moderna e, portanto, houve momentos em que ele declarou concepções erradas.
BOA SAÚDE DEVE SER PARTE DA VIDA DIÁRIA
O objetivo da medicina é ser preventiva: ensinar a manter a boa saúde para as pessoas, por meio de comportamentos que promovam isso mesmo. Um bom médico trata o paciente quando ele ou ela está saudável, quando está doente e, no meio termo disso. De tal modo o Rambam tinha a convicção de que, a filosofia envolve todos os aspectos da vida, incluindo a lei e, do mesmo modo, a boa saúde deve ser foco da atenção de todos. “É portanto claro que, as pessoas precisam dos serviços de um médico, para todas as circunstâncias e tempos…” São tolos os que pensam que um médico não é necessário, senão quando há doença.
[The Regimen of Health, capítulo 2]
O FOCO DA MENTE, CORPO E COMPORTAMENTO PARA BOA SAÚDE
No Shemoneh Perakim, a introdução do Rambam ao tratado de Avot – obra dedicada à ética – temos: “um médico que procura curar um corpo, precisa conhecer a totalidade do corpo e todos os elementos da anatomia humana. Ele deve reconhecer as causas das doenças e distanciar-se [e a seus pacientes] deles, estando ciente dos vários medicamentos e, como aplicá-los”.
Bem antes de a medicina lidar com o entendimento do que é psicossomático, se vê o Rambam enfatizar – e isso em todos os seus textos no tema – sobre o fato de que, a saúde física depende da saúde mental e vice-versa.
Ele escreveu que, de um modo geral, a saúde plena caminha lado a lado com o comportamento adequado, baseado no princípio da moderação. “A boa conduta é o comportamento balanceado entre os dois extremos”, sendo os dois desfavoráveis: um é o excesso e o outro, a restrição.
Virtude diz respeito a disposições de hábitos que são igualmente balanceados, entre inclinações negativas e positivas… por exemplo, restrição é a intermediação de comportamento, entre a indulgência [e a chamada, “glutonaria”], e a falta de sentimentos e desejos. Assim, a restrição – entendida deste modo – é uma atividade positiva.
[capítulo 4 do Shmonei Perakim. Também no Mishneh Torá, Hil’hot De’ot 1 e 2]
A ORIGEM DAS DOENÇAS
Diferente de muitos médicos da sua época e até posteriores, o Rambam reconhecia que doenças não são causadas por demônios.
O Rambam refuta a crença em demônios, no Guia dos Perplexos Tomo 3 capítulo 46. É interessante notar que, o trecho em que o Rambam demonstra sua posição sobre a inexistência de demônios, é justamente o trecho usado para dizer que ele “não negava” a existência de demônios. Uma estratégia falaciosa e típica dos defensores de insanidades e outros, mistificadores.
A crença em possessão demoníaca, que só pode ser resolvida por meio do exorcismo de padres, tem sido parte da teologia católica Romana, desde o começo da Idade Média até o presente. “Espírito que faz ficar Surdo e mudo”, eles declaram, “eu te ordeno, que você saia dele e não volte mais…”
Também, diferente de vários médicos modernos, que devotam sua atenção ao tratamento de sintomas, remoção de dores, o Rambam ensinava que médicos devem prestar atenção a causa das doenças. Assim, por exemplo, obesidade não deve ser “tratada” com um regime, ou dieta restritiva – conceitos que se originam da ideia de que, é o “desejo” da pessoa que faz com que ela perca peso. Na verdade, os hábitos devem ser modificados, o modo de vida da pessoa deve ser alterado.
EXERCÍCIO É PARTE VITAL DA VIDA
O Rambam enfatizava a necessidade de exercitar-se regularmente, mesmo para pessoas mais velhas. E não recomendava que se fizesse isso após as refeições. Ele também dizia que, era importante não se exercitar exaustivamente.
O bom exercício, ele diz, requer um aumento da respiração. “Não há nada melhor que o movimento do corpo e exercício físico”. Tais conselhos constam por toda a obra médica do Rambam.
Então, como médicos atuais, ele aconselhava que as pessoas fizessem exercícios de baixa intensidade, como caminhadas, especialmente as pessoas mais velhas. Sobre isso, ele era um estudioso bem diferente daqueles que desprezavam o exercício, e se orgulhavam de seu aspecto pálido e magro. Ele era diferente do poeta Thomas Stearns Eliot (1888-1965), que certa vez quando jovem, “de modo sombrio e piedoso”, passou pólvora no rosto para ficar com a pele acinzentada.
Não temos pinturas do Rambam, apenas imagens imaginadas que como ele teria sido, mas nenhuma pessoa o retrataria, baseado em suas obras, como uma pessoa acima do peso, ou muito magro.
CONSELHOS RELEVANTES
A maioria das opiniões médicas do Rambam foram opiniões relevantes que poderiam ser considerados até a atualidade.
MEDICINA PREVENTIVA
Preserve a paz mental em todas as circunstâncias.
Não há benefício em remoer o passado ou preocupar-se com o futuro – tais atividades “carecem de intelecto”. Quem se foca com tais preocupações, fica ansioso com coisas que nem ocorreram.
Procure agir com moderação e abstenha-se de gritar e odiar, guardar rancor. Remoção da tensão é bom para o corpo.
Contenção de emoções é um pré requisito para a boa saúde.
Se deve prestar atenção a qualidade do ar, a qualidade da água e do alimento, nesta ordem. Não se deve viver num local lotado, nem num lugar fechado sem troca de ar.
A necessidade de ar fresco é quase que, um requerimento para se preservar a saúde mental e corporal.
Evite viver em ambientes ruins, aonde exista mau cheiro. Isso pode fazer mal a saúde. Local empoeirado. Ou aonde há tremor de terra. Ou vizinhos briguentos e porcalhões.
Viva aonde haja luz solar.
Pessoas doentes devem deixar sua saúde nas mãos da natureza, tanto quanto possível. Eles devem ingerir apenas o que pessoas saudável consomem, comer apenas quando sentirem fome e beber apenas quando sentirem sede. Devem comer os alimentos mais leves do que os que são acostumados a comer.
A pessoa não deve comer, até ter se aliviado antes.
Nunca se deve comer demais. Pare de comer quando seu estômago estiver com dois terços da plenitude. Não permite que o estômago se distenda.
Não durma após as refeições.
Evite beber água enquanto a comida ainda está no estômago, pois a água dilui o que é necessário para a digestão. Entretanto, adicione um pouco de vinho a água, para evitar este problema.
Vinho..”é um fator maior, na preservação da saúde e cura de muitas doenças...” [mas] embriagues é extremamente danoso. Menores não devem beber porque lhes faz mal. O Rambam achava que beber vinho era tão importante para a saúde, que aconselhou até ao Sultão que tomasse vinho, apesar disto ser uma violação da fé Muçulmana. Ele recomendava vinho branco, entretanto, pois achava que vinhos tintos seriam melhores para pessoas idosas.
A pessoa deve se alimentar daquilo que nos deixa leves.
A pessoa deve comer pão que não tenha sido feito de farinha refinada.
A pessoa não deve comer alimentos que começaram a estragar, mesmo que apenas um pouco.
Sopas de galinhas são muito recomendadas.
Gordura é ruim e não deve ser consumida.
Não se deve comer e ir fazer exercício em seguida.
Se deve tomar banho com água quente, depois dos exercícios e esperar um pouco. Só depois deve comer.
Tomar banho faz bem para a saúde, e pessoas doentes não devem prolongar o banho demais.
Se deve prestar atenção aos sinais dados pelo corpo.
As pessoas devem dormir oito horas por noite.
Pessoas gordas em geral, tem vidas mais curtas que pessoas magras.
As pessoas devem comer mais no inverno e na primavera, por causa dos efeitos climáticos em seus corpos.
Mudanças de estações repentinas, podem causar doenças.
As pessoas são diferentes: algumas tem a natureza mais adaptada ao verão, outras ao inverno.
Muitas pessoa idosas não toleram leite e devem ser cuidadosas com produtos derivados do leite. Entretanto, o leite faz bem a saúde dos idosos e, que não for intolerante deve tomar.
Pessoas idosas precisam de menos comida. Se comerem como quando eram jovens, ficarão gordos e destruirão suas vidas.
As leis de kashrut tem o objetivo de preservar a saúde, ensinar as pessoas a evitar o que é desprezível, tanto sobre alimentos quanto coisas reprováveis e, ensinar aos israelitas a controlarem seu comportamento.
Se deve ser cuidadoso com o médico que se escolhe. Muitas pessoas morreram por causa dos remédios que médicos lhes prescreveram.
O MÉDICO
Um médico que é incapaz de entender e intervir adequadamente num caso, deve se abster e ficar distante da situação.
O médico de verdade sempre tem dúvidas, mas os charlatães pensam que sabem tudo.
Ao se fazer cirurgia devemos usar instrumentos esterilizados. [Aqui se faz necessário mencionar a inconsciência do saber, tal qual visto hoje em dia. Em 550 antes da era comum, há registros de uma infantaria grega chamada Hoplite que, é retratada enfrentando adversários - especialmente cavalaria - nus. O motivo é um “saber” de que, pedaços de tecido, que penetrassem a pele, por uma ferida feita por lança, tinha mais probabilidade de infeccionar. Na Odisseia e Homero, há um passagem sobre o conhecimento de que, enxofre servia para desinfetar: “A enfermeira Euricleia então, lhe disse: Trata enxofre de limpeza senhora, e fogo. Assim poderei purificar o átrio”. Hipócrates de Coz (460-377 antes da era comum) teria sido o primeiro a separar a Medicina da Filosofia, e trazer argumentos de que, não eram “pecados” que causavam doenças. Ele defendia a lavagem de ferimentos com vinho ou água quente, antecipando então a assepsia. Galeno (130-200 da era comum), foi um médico Grego que vivia em Roma, e foi o mais distinto médico depois de Hipócrates. Ele ensinava a ferver instrumentos usados para tratar Gladiadores. O microscópio, que comprova a existência de micro organismos (micróbios), só viria a ser inventado no século XVI - atribuído a Hans Janssen - mas, a primeira observação com o instrumento ocorre em 1683 por Antonj van Leeuwenhoek. O primeiro médico a usar “luvas cirúrgicas” teria sido o Dr Johann Julius Walbaum, em 1758 que as usava em trabalhos de partos. O primeiro médico - também obstetra - a apresentar a importância de se lavar as mãos para prevenir transmissão de doenças e infecções, foi Ignaz Semmelweis em 1847. E apenas em 1862, o Químico Francês Louis Pasteur publica suas descobertas de como são os germes que causam doenças, desenvolvendo depois o método de pasteurização.]
Um cirurgião deve ser cuidadoso para não infectar ferimentos abertos.
Um médico não deve tratar a doença mas, o paciente que está sofrendo da doença.
Um médico deve ajudar a natureza, na cura de seu paciente. Muitos médicos interferem com a cura natural de seus pacientes. É por este motivo que Aristóteles disse: “A maior parte das pessoas morre, por causa da ignorância dos médicos”. O antigo médico Hipócrates elogiava a natureza, por ser sábia e inteligente, crendo que, quando uma pessoa age de acordo com a natureza, não há necessidade de mais nada, nem mesmo de um médico.
É importante tratar a mente da pessoa doente. O ambiente deve ter bons aromas e música. Se deve lhes contar histórias alegres, e fazê-los rir.
ENSINOS QUE NÃO SÃO MAIS RELEVANTES
Se por um lado, é digno de nota que tantos ensinos médicos do Rambam tenham seu valor até hoje, muitas visões estão desatualizadas e obsoletas, graças aos novos conhecimentos. As pessoas podem ser gênios e, mesmo assim, estarem absolutamente enganados em seu pensamento, cultura e época.
Hipócrates, o pai da medicina, sobre o qual falaremos, ensinava que doenças eram causadas por um desequilíbrio entre os Humores: A bílis amarela, a bílis negra, fleuma e sangue. Assim, a maior parte da medicina antiga se preocupava em regular os humores desequilibrados. Por exemplo, para uma pessoa bom “bílis negra” desequilibrada, o resultado era pensado como melancolia. Assim, o vinho era considerado como algo que ajudava livrar aquela bílis do corpo. O Rambam naturalmente aceitava esta ideia antiga, que já era parte do que se entendia por medicina a séculos e mesmo após sua morte continuou sendo. A maior parte dos ensinos médicos lidava com dietas, sangrias e procedimentos que buscava “equilibrar” os humores. Então, como seus contemporâneos, ele pensava que sangrar pacientes era algo benéfico para eles.
Ele também ensinava que, todos os tipos de queijo, exceto o queijo de um dia pós produção, eram maléficos para a saúde.
Alguns vegetais, dizia o Rambam, fazem mal a saúde e não devem ser ingeridos: Cebolas, Alho, rabanetes, agrião, beringela e repolho.
O Rambam acreditava que, todas as frutas frescas fazem mal à saúde. Pêssegos, damascos são as piores dentre as frutas. Figos e uvas, causam menos dano. Mas, suco de frutas e xaropes fazem bem, e frutas secas, como uvas passas, figos secos e pistache, amêndoas não fazem mal. O Rambam cita o famoso médico Galeno, que disse que tinha febre todos os anos, até que parou de comer frutas.
Relação sexual faz mal a saúde de quase todos os homens, exceto por alguns e, mesmo assim, poucos são capazes de fazer sexo, sem sofrer algum mal. A pessoa não deve se envolver em atividades sexuais, após as refeições. Mas, também não deve, quando estiver com fome ou com sede, ou sob efeito de álcool, depois do banho ou depois de se exercitar. De fato, de acordo com o Rambam, o Divino ordenou que os israelitas fizessem circuncisão tão cedo - ao oitavo dia de vida - porque a remoção do prepúcio enfraquece o impulso sexual.
Se uma mulher estiver grávida de um menino, ela terá uma boa aparência. Mas, se estiver grávida de uma menina, ela terá uma aparência desagradável.
Se uma pessoa deseja descobrir se uma mulher que ainda não teve filhos, poderá ter no futuro; basta cobrir o corpo todo dela e queimar incenso abaixo dela. Se o incenso passar através do corpo dela, e o aroma chegar nas narinas e na boca, “não há motivo pelo qual ela não ficaria grávida”. Este “teste” é também mencionado no Talmud Bavli, tratado de Ketubot 10b e Ievamot 60b.
RESUMO
O Rambam estudou o conhecimento médico de seu tempo, bem antes de decidir exercer a profissão pois, tinha consciência de que, saber preservar boa saúde seria importante para se ter uma vida plena. Ele ensinava que, a prevenção das doenças e manutenção da boa saúde, seriam os maiores objetivos que médicos deveriam buscar. Ele dedicava sua atenção não só ao corpo, mas a mente da pessoa, ao ambiente, ao comportamento, as relações e o evitar estresse e temas similares.
O Rambam mantinha muitas visões que, estariam de acordo com o conhecimento moderno, sobre a boa saúde, como o dever de fazer exercícios, dormir bem, reconhecer a natureza em si mesmo, algo que por si só resolve muitos problemas. Seus conselhos continham informações médicas, filosóficas e são mencionados em seus textos haláhicos, muitos dos quais são lidos até hoje.
Mas, o Rambam também viveu no mundo antigo, quando a cultura árabe estava no seu apogeu; e não teve acesso aos conhecimentos obtidos séculos depois. Assim, algumas ideias suas, especialmente porque eram baseadas em Galeno, foram refutados pelos conhecimentos da medicina moderna.
Capítulo 13 - O Rambam e Hipócrates
Capítulo 14 - É possível prolongar a vida?
Capítulo 15 - Aplicando o pensamento Maimonideano - corrigir textos da Torá
Capítulo 16 - A contribuição de Onkelos
Capítulo 17 - Moshe e seu cajado mágico
Capítulo 18 - Juízes e suas decisões
Capítulo 19 - Por qual razão não existem <Berahot> para Mandamentos como <Tzedaká> e similares?
Capítulo 20 - Compreensão Maimonideana da Linguagem da Bíblia Hebraica - Conceitos de "forma" Divina, conceito de Oni-ciência e Comunicação via sonhos...
Capítulo 21 - A Divindade "ensina Torá" a seu povo?
Capítulo 22 - Indivíduos não inteligentes, se matam?
Capítulo 23 - O estupro, na Bíblia Hebraica
Capítulo 24 - As dez pragas foram milagres?
Capítulo 25 - David foi proibido de construir o Templo?
Capítulo 26 - Porque a Divindade "mata" os filhos de Shaul, pelos atos dele?
Capítulo 27 - Porque as 10 tribos, se separaram de Iehudá?
Capítulo 28 - O equívoco dos Natzirim e a Comunidade de Qum'ran.
Capítulo 29 - Foi o ódio que destruiu o Segundo Templo?
Capítulo 30 - PARTE 3 do livro - Porque existem 39 obras proibidas no Shabat?
Capítulo 31 - A origem irracional e mística, de mergulhar o pão no sal
Capítulo 32 - A "aposta" de Drazin (paráfrase da "aposta de Pascal)
Capítulo 33 - PARTE QUATRO do livro - Filo e o entendimento da Torá como alegoria
Capítulo 34 - A filosofia do Saadia Gaon era baseada na teologia muçulmana?
Capítulo 35 - Como o Saadia Gaon reformou o Judaísmo
Capítulo 36 - a lista de Leo Strauss de críticas à Religião
Capítulo 37 - A crítica ao pensamento de Descartes
Capítulo 38 - Realmente sabemos o que o Divino quer de nós?